da Wikipedia:
“No ano de 1961, 15 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, inicia-se em Israel o julgamento de Adolf Eichmann por crimes de genocídio contra os judeus, durante a guerra. O julgamento intensamente mediatizado, é envolvido por muita polêmica e controvérsia. Quase todos os jornais do mundo enviam correspondentes para cobrirem as sessões, tornadas públicas pelo governo israelense. Uma das correspondentes presentes ao julgamento, como enviada da revista The New Yorker, é a filósofa alemã, naturalizada norte-americana, Hannah Arendt.
Além de crimes contra o povo judeu, Adolf Eichmann foi acusado de crimes contra a Humanidade e de pertencer a uma organização com fins criminosos. O réu se declarou “inocente no sentido das acusações”. No entanto, foi condenado por todas as quinze acusações que pesavam contra ele e enforcado em 1962, nas proximidades de Tel Aviv.1
Em 1963, com base em seus relatos escritos para The New Yorker, sobre o julgamento, Arendt publica um livro – Eichmann em Jerusalém. Nele, ela descreve não somente o desenrolar das sessões, mas faz uma análise do “indivíduo Eichmann”. Segundo ela, Adolf Eichmann não possuía um histórico ou traços antissemitas e não apresentava características de um caráter distorcido ou doentio. Ele agiu segundo o que acreditava ser o seu dever, cumprindo ordens superiores e movido pelo desejo de ascender em sua carreira profissional, na mais perfeita lógica burocrática. Cumpria ordens sem questioná-las, com o maior zelo e eficiência, sem refletir sobre o Bem ou o Mal que pudessem causar.
Em Eichmann em Jerusalém, Arendt retoma a questão do mal radical kantiano, politizando-o. Analisa o mal quando este atinge grupos sociais ou o próprio Estado. Segundo a filósofa, o mal não é uma categoria ontológica, não é natureza, nem metafísica. É político e histórico: é produzido por homens e se manifesta apenas onde encontra espaço institucional para isso – em razão de uma escolha política. A trivialização da violência corresponde, para Arendt, ao vazio de pensamento, onde a banalidade do mal se instala.”
Em suma, Hannah Arendt justificou alguns atos vistos moralmente como malignos praticados por pessoas normais que simplesmente seguem ordens, burocracias, tem contas pra pagar ao fim do mês e jamais param para refletir sobre o contexto mundial ou sentido no que fazem.
No contexto da Zona Sul do Rio de Janeiro, vejo práticas semelhantes frequentemente:
Terminei um relacionamento com um criativo publicitário que, para pagar seu aluguel e seus padrões de consumo emergentes como blusas Lacoste e jantares no Astor, aceitava o planejamento de vender e viciar crianças da Costa Rica em Coca-Cola pro resto da vida. Ele estava com 32 anos, aos 15 anos trabalhava vendendo legumes na feira, estudou muito, trabalhou anos praticamente de graça e finalmente conseguia um reconhecimento entre seus amigos da Zona Sul. Era extremamente vaidoso mas não levava jeito para as artes plásticas e sentia-se frustrado com isso. Seu mundinho girava em torno de si mesmo e considerava suas contas e estilo de vida o ponto final do seu trabalho.
Durante meses me encontrei semanalmente com o diretor executivo de logística de uma das maiores empresas do Brasil para tomar uma cervejinha. Ele era responsável por uma monumental obra dessas que remove comunidades inteiras e destrói terras indígenas com aval do governo federal. Toda quarta-feira ele voava para Brasília para reunir-se com o ministro da Justiça e pressionar para que demarcações indígenas fossem ignoradas e que povos fossem removidos. Ele assinava em baixo de devastação ambiental, sofrimento humano e destruição de culturas milenares diariamente. Estava passando por uma separação e tinha 3 filhos pra criar e sustentar. Sua família morava em um apartamento próprio no Leblon em obras, ele aluga em Ipanema, além da casa de Búzios pra onde viajavam sempre. Em suas casas trabalhavam 7 empregados (cozinheiros, babás, arrumadeiras, motoristas, jardineiros, etc), praticamente uma microempresa. Ele odiava o seu trabalho enfadonho, queria se dedicar a arte e escrever peças mas tinha muito medo, passou a vida lutando para chegar onde chegou, teve problemas com drogas na juventude chegando a ser internado e considerava-se um vitorioso, estudioso e gênio por ter se recuperado com tanto sucesso. Quando questionado sobre a ética, respondia que tinha filhos pra criar e pessoas a sustentar. Não via outra opção. No fim das contas pediu demissão e mudou de emprego. Hoje está muito infeliz e pagando todo seu Karma. Continua odiando índios.
Uma grande amiga é fóbica. Tem medo do mundo, trabalha de casa fazendo relatórios de Oil and Gás para um grande banco mexicano. Nos conhecemos há 11 anos e desde pequenas que ela diz que quer ser muito rica, fazer um milhão antes dos 30 anos e depois se dedicar à arte. O afastamento de todo seu talento artístico já começa a gerar neuroses e terríveis ataques fóbicos. Acredita que todo favelado é bandido e confia nos Estados Unidos para manter a ordem mundial. Pequeno gênio, já fez pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas em São Paulo e agora se prepara para mais uma pós na COPPEAD-UFRJ. De casa define políticas de petróleo do México que encontra-se a beira de uma revolução popular por causa da privatização do mesmo (ou algo nessa linha, não tenho certeza dos detalhes da revolta). Não existe empatia alguma com esse povo que, segundo ela, representa uma ameaça ao crescimento mundial almejado pelos economistas e políticos do mundo. Está quase completando seu milhão e ano que vem quer se mudar pra Nova Iorque.
Outra amiga de menor importância é produtora do RJTV na Rede Globo. Uma das pessoas mais adoráveis que já conheci, super ligada na natureza e na sustentabilidade, maconheira máxima, adora dançar e namora há anos. Um vez a encontrei na academia e, revoltada por mais uma dessas mentiras cotidianas, fui questioná-la sobre o que acontecia. Ela me respondeu que não tinha linha editorial mentirosa, que nada disso chegava até ela e que acreditava em mudar por dentro do sistema. Que estava lá há apenas um ano e que ainda não tinha poder algum lá dentro. Depois fiquei sabendo que ela ficou muito chateada com meu questionamento, me considerou grosseira e não nos falamos desde então. Sentiu-se injustiçada! Não coloca onde trabalha no Facebook.
E acontece com outros milhões por aí. O fim do mundo está sendo definido por pessoas que não tem empatia com a humanidade enquanto raça animal que vive em um planeta de recursos finitos. Pessoas vaidosas e individualistas, vítimas de recomendações maternas voltadas para roupas, sapatos e boas maneiras a mesa, que se compreendem superiores por terem simplesmente nascido com dinheiro, que encontram sua plenitude em reconhecimento material e no poder, que precisam da segurança da cegueira e da separação dos que sofrem. São inteligentes, engraçadas, artísticas e generosas mas seguem as regras impostas pela instituição onde trabalham porque a escola, a faculdade e a família lhes prometeu que assim seriam felizes.
São a banalidade do mal bem vestida e culta.
Acompanhando essa história do Rojão em que movimentos sociais encontram-se em uma verdadeira guerra de versões com a Rede Globo fiquei imaginando como será que se sentem os que lá trabalham. Como não mandam seus superiores pro caralho e saem dali dispostos a encontrar um trabalho mais digno e humano. Mas a verdade é que seus anseios de vaidade e segurança falam mais alto e seus costumes de obediência imperam. Não existe reforma onde não existe reflexão. Não defendo a piedade com essas pessoas, acredito que são criminosas. Hoje em dia a verdade está a um clique de nós. Somos filhos da Revolução da Informação e não podemos mais admitir a vida fácil dos que tem medo e dinheiro. Só não vê quem não quer. A banalidade do mal mudou porque na época que Hannah criou esse conceito, não havia acesso à toda essa contra informação e a tantos relatos do mundo em que vivemos. Hoje a banalidade do mal é a pior das maldades porque é banal por opção. Somente a revolução real pode acabar com isso, banalidade do mal compreensível está naqueles que lutam por reformas. O cenário está dado.