Katchu é um grande xamã siberiano de 32 anos. Ele começou na vida espiritual há mais de 10 anos atrás, quando ainda era praticamente um menino. Hoje em dia ele mora em uma ecovila nas montanhas de Altai e viaja o mundo todo dando seminários e ajudando pessoas a se conectarem com seu interior. E com a magia que ainda existe no mundo.
Um dia Katchu e sua trupe de xamãs vieram ao Brasil e conheceram Nora. Nora imediatamente se apaixonou pro Katchu, por vários motivos. Pra começar, em algum lugar, ela reconhecia aquela luz nela mesma. Depois, porque é muito difícil não se apaixonar por um homem que trabalha tanto a sua energia. Nora sempre foi muito sensível. Quando ela estava ao seu lado, conseguia sentir sua aura, literalmente sentir uma camada de energia um pouco mais densa ao seu redor. Perdia totalmente a fome. Acordava na mesma hora que ele estando em outro lugar. Ela sentiu uma conexão muito forte.
E ele também sentiu. Só que Katchu, além de xamã, é mestre de Tantra. Já atingiu aquele estado de orgasmo constante interno, quando o seu próprio masculino e feminino se encontram dentro do seu próprio corpo e a vida na terra torna-se o paraíso. Para Katchu, sexo ainda é uma opção mas apenas se for pra ensinar e aprender. Apenas se seus espíritos auxiliares perceberem que há o que expandir naquela relação. Sexo é uma oportunidade divina de crescimento espiritual.
Nora ainda era apenas uma menina. Uma menina de 28 anos, diga-se uma menina espiritual. Ainda morando com a mãe, meio perdida sem trabalho, se formando na faculdade… Reagindo completamente aos estímulos externos, fugindo de si mesma, fugindo da sua sombra. E sem passar pela sua sombra, é muito difícil encontrar com a sua luz.
Mas ela sempre sonhou em viver uma vida diferente! Quando viu aquele xamã mago viajando o mundo de mochila ajudando pessoas com trance dance, percebeu imediatamente que ali estava seu destino. Tudo que ela sempre quis fazer na vida. Grudou no cara, pensava nele o tempo todo, ligava pra ele, pedia pra ele ensinar… Ele é um ser de luz. Então ele ajudou, claro. Ela aprendeu muito com ele.
Mas quando decidimos que vamos trilhar o caminho da luz como escolha de vida, aí a sua sombra começa a aparecer. Muitos desafios são postos na sua estrada. Você precisa se provar. Precisa ter coragem de se enfrentar, precisa assumir riscos, precisa chorar e, ultimamente, acaba tendo que passar um pouco perto da loucura.
E foi aí que Nora deu pra trás. Katchu voltou pra Rússia e Nora entrou de cabeça nessa busca enlouquecida pelo espiritual. Mas ainda buscando muito fora dela mesma. Ela fez cursos de xamanismo, tarot, astrologia, retiro de Leitura de Aura, constelação familiar… Tudo quando era terapia, ela fazia. Consultava o Tarot todos os dias, lia seus trânsitos planetários o tempo todo, não saia de casa sem seu livro de numerologia que lhe dizia exatamente onde estava no seu caminhar.
A verdade é que Nora estava viciada no futuro. Ela pensava o dia inteiro sobre onde estava querendo chegar com isso tudo. O que ia acontecer. Pensava em Katchu o tempo todo. Imaginava eles dois em uma grande viagem ao redor do mundo, indo em festivais de trance e ecovilas, juntando pessoas interessadas em trilhar esse caminho de transição de eras, de luz, de consciência… Sonhava acordada o dia inteiro, fora da sua presença.
E imaginava. Sempre muito sensível, ela conseguia sentir todo tipo de energia. Mas ficava criando o que estava acontecendo com uma certeza enorme. Inventava os processos mágicos que aconteciam ao seu redor, se identificava muito com as histórias que criava na sua cabeça. Ela secretamente achava que tinha encontrado a receita da vida. Ela achava que era melhor que os outros. Andava pela rua com uma espécie de arrogância, um segredo.
No fundo pensava em todas as pessoas que não lhe amaram, que a abandonaram, que a mal trataram, vendo seu triunfo! Aquela missão em que ela estava sozinha era uma missão de vingança. A energia que a movia para aquilo tudo era a raiva. A raiva de todo mundo ser tão burro! Raiva das pessoas não pensarem em ninguém a não ser elas mesmas! Raiva do egoísmo! Da falsidade! Da mentira! Raiva desse caminho que colocaram na sua frente pra ela trilhar. Esse caminho sem graça de estudar, trabalhar, casar, ter filhos e envelhecer. Ela queria MAIS. E tinha raiva que os outros se contentavam com isso. Se contentavam em passar a vida comentando as mesmas novidades dos jornais, vendo o mesmo futebol, comprando as mesmas porcarias achando que aquilo era o novo.
Mas Nora não conseguia ver aquela escuridão dentro dela. Não percebia que estava fazendo tudo aquilo para se realizar perante o outro, para ser melhor que o outro. Achava que estava fazendo tudo aquilo para ajudar o outro.
Mas tudo bem, isso faz parte do caminho da luz também. Muitas coisas ruins acontecem na nossa vida para que cheguemos nesse lugar. Se foi a raiva ou a vingança que te trouxe até aqui, tudo bem. Porque essas energias também são divinas. A repressão delas que não é. Mas a Nora não conseguia ver por esse lado, ela estava muito aficionada pelo conceito que ela tinha na cabeça de luz, de bom, de amor, de espiritualidade.
E aos poucos foi enlouquecendo. Vivia criando uma realidade na sua própria cabeça, inventando a verdade. Sozinha. Não dividia isso com ninguém. Sua mente tomou todo espaço do seu corpo. Aos poucos estava completamente desconectada da matéria. Ela comia e não conseguia pensar no que estava comendo. As pessoas falavam com ela e ela só analisava a energia daquela pessoa mentalmente, sem prestar atenção nas palavras. Não permitia que momentos acontecessem, tudo precisava ser analisado energeticamente. Começou a ter dificuldade em se relacionar, em fazer amigos… E estava MUITO feliz. Vivia aquela história na sua cabeça, esperando o retorno de Katchu.
Até que resolveu fazer um retiro de silêncio e meditação de 10 dias. Ela já sabia que estava mentalmente machucada. Já tinha entrado em contato com momentos de loucura muito violentos e acreditava que precisava meditar pra silenciar sua mente. Andava preocupada com sua energia. Mas passar 10 dias em silêncio, sentada de olhos fechados sem se mover 10 horas por dia era exatamente o que ela não deveria ter feito. Ela entrou numa viagem de que precisava morrer, seu ego precisava morrer, sua mente precisava morrer. E que ela ia matar sua mente. Explodir seu sexto chakra. E começou a transformar a experiência toda em uma batalha extremamente violenta contra si. Usava a força para calar sua mente, tentava espremer sua mente pra fora do seu corpo.
E entrou em surto psicótico. Seu inconsciente e sua mente se juntaram contra ela em um movimento de defesa. Começou a delirar. A sentir energias. A pirar. Chorava, tinha ataques… Começou a imaginar demônios, a entrar em contato com eles. Ficou com medo, não entendia nada que estava acontecendo. Ouvia vozes. Vozes que a cobravam de coisas que ela não sabia serem reais ou não. Entrou em estado de parafuso.
Saiu do retiro no último dia aos prantos convencida de que aquela era a morada de forças obscuras. E que ali era um espaço de muito roubo e ataque energético. Mas o surto continuou durante dias e dias. Ela ia pra praia correr, tentar gastar essa energia. Botar isso tudo pra fora, voltar ao seu estado normal mas as vozes continuavam a atacando. Ela sentia que ia morrer. Que partes suas estavas sendo roubadas. E ela tentava imaginar, mentalizar, explicar tudo que se passava, só gerando mais surto!
Ela estava exausta dessa busca. Não estava chegando a lugar nenhum. Estava a meses fazendo práticas matinais, terapias, yoga, lendo auras, sem beber, sem fumar cigarro (que ela ama) e sem fazer nem sexo pra tentar entrar em contato com a sua energia sexual… Tudo isso estava levando ela a loucura! Ela se sentia tão sozinha. Ninguém conseguia se aproximar, ela não queria abrir mão de toda essa criação na cabeça dela. Aquilo tinha se tornado sua identidade.
Quando Katchu voltou, olhou pra ela e viu seu estado. Ele sentiu amor e pena. Também percebeu que cometeu alguns erros. Talvez tenha compartilhado demais sua energia com aquela menina. Que a força do amor que ela sentia por ele junto com todas as outras forças que a moviam sem que ela tivesse consciência, estava a destruíndo. Então ele a tratou como uma mera discípula. Quase não falou com ela. Para poder conversar com ele, Nora teve que pagar uma consulta de 420 reais. E ele não lhe falou muita coisa, sabia que já tinha falado demais, ele então lhe ofereceu fazer um ritual de 3000 reais.
Naquele momento, Nora o comparou a todos os pastores evangélicos charlatões. Ela pensou em todas as vezes que ouviu histórias de pessoas seduzidas por seitas e mestres, pessoas que entregavam todas suas posses atrás de sua cura. Não acreditou que tinha caído em uma armadilha dessas. Nesse momento que ela mais precisava de ajuda, o cara ia cobrar 3000 reais dela? Como uma serpente, ele esperou o momento certo pra dar seu bote?
Seu coração se quebrou em milhares de pequenos pedaços. Mais uma vez. Ela foi pra casa e se deitou durante 6 meses.
Engordou 20 kg comendo doces o dia inteiro, começou a tomar remédios para esquizofrenia porque precisava parar de ouvir aquelas vozes, voltou a fumar cigarro (YES!), beber cerveja, parou de se exercitar. Via Netflix o dia inteiro e jogava PokerStars. Passou 6 meses assim. Sem se movimentar muito. E foi muito importante porque ela passou esse tempo todo sem pensar muito. Por incrível que pareça, foi deixando que as feridas de seu corpo mental se cicatrizassem assim. Relaxou.
Percebeu que precisava parar de mexer na sua energia durante um tempo. Estava com seu campo muito aberto. Cortou relações com qualquer tipo de horóscopo, tarot, terapia… Percebeu o quanto estava ainda em um processo totalmente externo. Resolveu tirar o poder de qualquer coisa fora de si mesma. Como pode deixar que um livro de numerologia vendido na Saraiva guiasse seus passos e suas emoções? Não queria mais estímulos pra sua mente. Queria protegê-la e tratá-la com respeito e carinho. A mente era uma parte sua, uma parte da criação de Deus que é o homem que precisa apenas ser observada.
Quantas vezes Katchu falava pra ela: “isso não é você”. “Você não é esse estado.” “Só observe.” E ela ignorava aquilo, era tão fora da sua realidade, estava tão viciada em pensar que sequer ouvia com atenção quando ele falava esse tipo de coisa… Ela se identificava com todos os pensamentos e emoções. E por ter muita energia corporal, eram pensamentos e emoções muito intensos.
E assim, aos poucos, começou a se observar. Tomou coragem para mergulhar em sua sombra.