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Anna Júlia

Prestes a embarcar em uma nova aventura, um novo ciclo que está sendo parido há alguns meses, uma realização importante: não importa pra onde vamos, tudo aquilo que está dentro vem junto.

Anna Júlia entrou um um processo de rejeição de si mesma há muitos anos acreditando que estava se conectando com seu espaço interno. Passou a se analisar incessantemente mas, com muita coragem, olhando sempre pra sua sombra, pras suas falhas, pras suas imperfeições. Com o passar do tempo, foi se entristecendo, se afastando do mundo, se escondendo. Perdeu o interesse na vida que todo mundo vive, nos acontecimentos do cotidiano, nas novidades… Parou de analisar o mundo e ser estimulada intelectualmente.

Foi vivendo assim, acreditando que caminhava o caminho espiritual. Ela buscava dominar seu inconsciente que tornou-se seu inimigo número um. Como a maioria das pessoas, Anna precisa projetar seus problemas em alguma coisa. Algumas pessoas projetam no capitalismo, nos pais, no marido, outras nos kilos a mais, no trabalho, na humanidade… Sempre temos algum inimigo que está nos causando o sofrimento. Anna, consciente desse padrão, optou pro trazer seu inimigo para dentro de si. Seu inconsciente, traumas, passado, erros… Aos poucos foi juntando isso com alguns inimigos invisíveis: espíritos obsessores, larvas espirituais, energia negativa. Mas essas coisas só nos atacam quando temos alguma coisa em nós que vibra na mesma frequência. E sua vida interna foi se tornando uma batalha épica contra o negativo dentro de si. Mas, ao focar tanto nas partes negativas que precisam ser curadas, acabou se esquecendo de olhar pras partes positivas e seu estado mental tornou-se uma sessão de inquisição, críticas, raiva de si, mágoa do outro, identificação com tudo que tem de pior em si mesma.

Alguns anos se passaram e sua luz que sempre foi muito forte, começou a se apagar. O que não fazia nenhum sentido visto que Anna acreditava estar dando passos firmes no caminho da luz e do amor, todo o seu esforço pra se ver era exatamente pra se curar, pra ser mais livre e mais feliz. Mas quanto mais fundo ela ia nessa investigação da sombra, mais ela sentia que precisava se curar. Entrou em uma busca ferrenha por essa cura, fez tudo quanto era terapia, ritual, retiro… Buscou mestres, terapeutas e médicos… E nada. Só seguia se afundando ainda mais em tudo que precisava limpar de dentro de si. Depois de tanto tempo em um estado permanente de auto crítica, ela foi parando de amar. Parando de se conectar com as pessoas, parando de sair, parando de viver. Parou de se mostrar pros outros já que passou a acreditar que não estava bem, olhando apenas pra sua sombra durante tanto tempo.

Seu lado selvagem, intenso, corajoso, brincalhão e muito sexual foi esquecido. E nos esquecimento de quem era, passou a aceitar um personagem neste lugar. Criou uma máscara neutra que cobrisse no externo todo seu turbilhão interno. Alguém com uma vida sem muitas emoções, sem muitas relações, sem muitas aventuras. Uma pessoa que reage externamente aos estímulos leves, toma uma cervejinha, vai pro trabalho, dá umas risadinhas tímidas, conversa sobre futilidades e vai pra casa onde entra em contato com seu processo sombrio. Tudo ao seu redor tornou-se falso. Desconectado com seu verdadeiro ser que estava esquecido lá atrás…

Passou 6 meses em um trabalho “normal”. Batendo ponto, trabalhando 8 horas por dia usando uniforme, sendo apenas uma marionete de uma chefe exigente. Aos poucos foi desenvolvendo uma rejeição por aquilo tudo, que tentou segurar, tentou fazer que nem todas as outras pessoas “normais” que também não amam seus trabalhos e aceitam viver assim. Era assim que se vivia não é? Essa era a maneira “normal” de viver. No tédio. 8 horas por dia fazendo a mesma coisa chata todo dia. E foi aturando, afinal sofrimento era seu modus operandis há algum tempo. Ela saia do trabalho e ia pra casa lutar com a sua sombra. Acordava, sentia dores físicas só de pensar em ir pra lá, mas ia… E assim o tempo foi passando.

Até que chegou um dia em que ela percebeu o quanto estava profundamente entediada com a sua vida e que aquela rejeição intensa do seu trabalho era uma projeção de toda sua vida. Aquele trabalho era uma lente de aumento para tudo que ela não estava conseguindo ver. Estava farta dessa merda desse processo interno, desse trabalho, dessa farsa, desse personagem, dessa máscara, dessa família e, especialmente, dessa busca interminável pela cura. Estava em um modo de espera há muito tempo. Esperando o dia que se curasse, o dia que tivesse dinheiro, o dia que estivesse de férias, o dia que fosse magra, o dia que encontrasse um namorado, um dia que não chega nunca para aí ir viver, ir ser feliz, ir atrás dos seus sonhos.

Pediu demissão e comprou uma passagem de avião pra outro continente e está deixando tudo pra trás. Vai ver gente nova, em um lugar novo, vivendo coisas novas! Mas nada disso importa se o seu interno não mudar. O mais importante agora é conseguir sair da máscara e botar pra fora a sua verdade! Só que ela segue no vício de analisar a sombra que já se tornou um constante botar-se pra baixo e até mesmo criar problemas onde não tem. Então encontrar a sua verdade atrás desse véu negativo que é a verdadeira missão. Ela já não se lembra dos seus sonhos, das suas esperanças, da brincadeira, da leveza, do amor… É como se isso tudo estivesse enterrado embaixo de uma pilha enorme de objetos quebrados. Tentando respirar. Tentando se manter vivo. Segurando uma velinha, protegendo uma chama que é o que restou de sua fogueira. E existe um medo enorme de deixar isso viver e sair já que foi exatamente isso que passou por esse processo ferrenho de crítica interna mas também um desejo enorme de voltar a queimar.

E nessa missão de se mostrar, de se deixar sair, de se reconhecer novamente, está indo pro mundo. Talvez de todas as viagens que tenha feito na busca da cura, a viagem na busca de si mesma será a mais curadora.