Talvez tudo tenha se explodido para que outras coisas não se explodam. Assim como a Joy, minha gata, morreu para que eu não tivesse que morrer. Quem sabe não foi tudo minha culpa, quem sabe não fui eu que cometi algum erro tão macabro, tão bizarro que mereci aquele assassinato. Talvez a parte de mim que morreu tenha dado lugar a algo diferente e não necessariamente ruim. Talvez o que comece à partir de agora seja uma vida mais calma, mais tranquila, menos ignorante e menos combativa. Talvez eu já não me veja mais em uma posição de liderança das massas interdimensionais. Talvez tenha chegado finalmente algum momento pelo qual esperei muito. Não vamos dismiss as coisas assim tão rapidamente. Vai ver nada foi perdido! Pois afinal, nada se perde, tudo se transforma.
Eu me lembro quando eu ia até o local onde a Joy tinha sido enterrada e sentia seu espírito naquela terra, tornando-se vida novamente. Porque a morte sempre dá lugar a nova vida. Seja aqui ou em algum outro lugar.
Sinto meu egoísmo se dissolver dentre o desejo de ser eu a campeã ou de que seja qualquer um o campeão dessa batalha. Vai ver vai mesmo passar pra outra pessoa ser o que eu tentava ser e vai ver essa pessoa irá fazê-lo muito melhor do que eu podia jamais ter feito. Sinto minha arrogância se dissolver no momento em que aceito meu sacrifício para não causar uma revolução planetária que daria em um lugar pior do que já vivemos.
Na verdade, tudo isso pode me levar a uma espiritualidade muito mais feminina. Menos combativa, menos anarquista, mesmo black bloc. Uma espiritualidade de muito mais reverência, muito mais recebimento e muito mais conquista. Usando a prática da oração, de sentir as pequenas gotas de amor que ainda habitam em meu pequeno e fechado coração. Agora é possível sentir a pedra que estava ao centro do meu peito no comando de toda aquela potência amorosa. Dentro de mim, tem tanto desamor, tanta decepção, frustração, desconfiança. Essa não é a liderança que eu gostaria de ser.
Pra ser a verdade, já não quero mais ser a liderança de nada. Quero paz, tranquilidade e uma vida simples. Ficaria muito feliz em ter o básico. Uma casa, um jardim, um marido e filhos. Esse sonho me parece quase tão difícil quanto fazer a revolução global mas sei que não é. Na verdade é algo bem mais plausível, bem mais raíz. Bem mais mulher. Meu sonho de crescer em raíz tornou-se mais forte que meu sonho de crescer em galhos e voo.
Sinto que devo pedir perdão durante um tempo, a todas as pessoas que mal tratei, que enganei sem saber que engava. Visto que eu enganava a mim mesma esse tempo todo. Quase igual à Rio+20. Eu dizia ser possível fazer coisas que eu dizia a mim mesma serem possíveis sem ter nenhuma prova disso, nenhuma certeza de nada. Espero que fique tudo bem comigo e com todos que tinham expectativas, invejas, demandas em cima de mim. Me sinto tão melhor em perder esse destino que me torturava por não vê-lo realizado. Aquela potência que pulsava dentro de mim sem uso, sem espaço para expressão, aquilo me agoniava, me gerava desespero e necessidade de usar meios que não eram os ideais para se chegar ao fim que eu sentia ser urgente chegar.
A urgência se foi, aquela vida se foi. Eu ainda estou chocada e sem entender o que sobrou, o que aqui ainda vive. Creio que seja o caso de permitir que o tempo me mostre o que viveu, o que quis seguir aqui. O que quis viver dentro de mim. Porque minha tendência tem sido olhar apenas para o que morreu, o que quis morrer em uma grande pulsão de morte mas na verdade também é possível olhar para o outro lado desta mesma moeda e me perguntar: o que quis viver aqui? O que ainda quis seguir? O que ainda quis experimentar estar aqui na Terra?
Isso para mim segue mistério.
Mas certamente estou no lugar certo para trabalhar meu julgamento em cima de mim mesma, para parar de me julgar, comparar. Não vou ficar aqui deitada invejando as outras vidas e nem competindo mais com ninguém. Estou no lugar certo para fazer o trabalho interno e externo de aceitar de onde venho, fazer a paz com meu país, com minha família, com minha raíz e com esse meu coração tadinho, que passou por tanto nesses últimos anos e parece ter tanta dificuldade em se reerguer. É possível viver uma vida com mais paz. Afinal, como se poderia fazer a paz no mundo se dentro de mim ainda habitava tanta guerra? Tanto desejo de batalha? Isso é o fim desse tempo, dessa era.
Uma voz me diz que isso é uma conquista. Que voltar para casa da minha mãe, para meu país, para meu trabalho (se Deus quiser e eu não vou discutir se ele não quiser), voltar sabendo que já não desejo mais viajar, já não desejo mais ficar em hostels e nem camping. Que do jeito que tava não tinha como ir pra festival nenhum mesmo. Que eu não sou a mesma pessoa: que perdi minha coragem de recomeçar sozinha, que me senti tão infeliz e tão carente e tão saudosa de pessoas que parece que cheguei ao ponto de humildade onde posso finalmente dizer: eu preciso de você. Eu preciso de pessoas. Não pra fazer algo monstruoso e mudar o mundo mas sim para serem amigas, para conversar, para amar. Só pra amar nas diferentes formas de amor possível que podem acontecer na vida de uma pessoa. Ser pessoa é precisar de outra pessoa.
E na hora certa, se for para fazer, tudo fará sentido. No mínimo, aprendi algo muito importante que parece que eu não tinha aprendido ainda: respeitar a lei do carma. Governo tem propósito sim. Suas leis acabam sendo para nossa proteção. Foi o que tive que pagar pela minha rebeldia. Caro, bem caro. Porém, ainda vive em mim a certeza de que tudo aqui nesse planeta é amor e, agora vejo, que amor também precisa de regras. <3