Hannah

Hannah está descobrindo que tem superpoderes. Ela sempre amou os filmes dos X-Men! Quando era pequena, assistia Capitão Planeta e sonhava com um anel de poder. Ela gostava de Cavaleiros do Zodíaco e achava aqueles poderes com aquelas armaduras o melhor trabalho que um adulto poderia ter. Via as bruxas nos filmes e ficava aterrorizada com a burrice daquelas velhas com verruga no nariz que usavam sua magia para o mal. E, agora, em pleno retorno de Saturno, Hannah está descobrindo que tem superpoderes.

Ela não está passando por isso sozinha. Tem alguns amigos seus ao redor do mundo que parecem estar passando por uma fase parecida. Só que ninguém comenta muito sobre isso pra evitar ser internado, morto ou pior. É um processo extremamente solitário e misterioso. Porque estes seres humanos especificamente? Porque agora? O mais notável é que nenhum deles tem algum tipo de treinamento, mestre ou experiência ancestral na área dos superpoderes. São jovens comuns, que vivem em grandes centros e, com muito medo e dúvidas, estão passando por uma transformação mágica.

Assim que Hannah descobriu o que estava acontecendo, decidiu contribuir ao máximo para que o processo acontecesse de maneira tranquila e rápida. Sentiu uma motivação e uma força para fazer tudo certo. Parou de fumar cigarro, beber alcool, fumar maconha, cortou açucar e carboidratos da dieta. Começou a correr de manha na praia, fazer práticas energéticas que aprendeu com uns xamãs e meditar. A única via de comunicação para seus questionamentos foi com Deus, passou a rezar todos os dias, intensamente. Se aquilo estava acontecendo com ela, só podia ser Divino.

Mas o processo começou a ficar sombrio. Suas orações passaram a ser interceptadas por seres que querem seduzir Hannah com poderes mágicos. Tudo, absolutamente tudo que Hannah pedia que acontecesse, acontecia na hora no seu campo energético.

Um dia ela sentiu que não estava pronta para criar e falava com Deus pedindo-lhe mais tempo, para que ela pudesse passar um tempo sem criar. Imediatamente seu segundo chackra (da criação e sexualidade) se fechou e toda energia sexual de seu corpo começou a secar. Ela passou um dia horrível sem energia sexual, sem interesse em nada, sentindo-se triste, querendo apenas que lhe deixassem em paz. A noite, disse a Deus que entendeu muito mais sua energia de criação, que era preciso criar sempre mas fora de si. Botar pra fora: escrever, dançar, pintar, tocar… E pediu toda sua energia de criação de volta. Imediatamente seu chakra e seu útero se inundaram de energia criativa e ela pode sentir a energia fluindo por todos seus canais e pontos meridianos, abrindo seu interesse na vida e sua alegria em estar viva de novo.

Outra vez, ela rezava usando uma linguagem bem carioca despreocupada. Dizia para Deus que estava completamente entregue a esse processo. “Eu estou all-in!” ela disse com convicção. Em alguns segundos sentiu um jato de energia saindo de suas costas: era sua vida. Estando all in foi interpretado por seila o que que a sua vida estava entregue, estava na mesa e assim lhe foi tirada. Foi nesse dia que Hannah começou a desconfiar que o que estava acontecendo não era tão divino assim. Mesmo assim, ela considerou que também poderia ser um teste. Deus queria que ela ficasse brava com ele para testar sua lealdade. Não se pode entregar poderes nas mãos de alguém que vai se irritar e mudar de time por qualquer coisa.

Que times? O time do bem e o time do mal. Da luz e das trevas. Do amor e do sofrimento.

As coisas continuaram acontecendo e muitas vezes Hannah falava uma frase com uma boa intenção e aquilo dava um jeito de se voltar contra ela. Ela uma vez dizia que queria ser um fluxo e não ter limites, o resultado foi que seu campo de energia deixou de ter limites e toda sua energia começou a se desintegrar em um fluxo. Ela começou a passar mal, a sentir tudo que passava perto dela, se sentiu fraca e percebeu que precisava retirar o que disse.

Aquilo começou a cansar muito Hannah que além de ter que lidar com aquela magia toda ainda estava acordando cedo pra se exercitar e depois trabalhando 8 horas por dia um emprego onde sua aparência e simpatia são essenciais. É um lugar onde ela precisa estar sempre bem e tranquila.

Hannah então decidiu renunciar a seus poderes. Ela não queria mais isso! Ela não queria mais fazer essa magia estranha que não vem do coração, que não leva em consideração o emocional humano, as idiossincrasias de uma pessoa, a boa intenção. É uma magia muito técnica, prática, lógica. E de lógica já basta a ciência. Aqui queremos fazer tudo que a ciência nos diz que não existe. S-t-y-l-e.

Mas não adiantou. Renunciar à magia adiantava durante um curto período de tempo, depois ela já estava de volta e lá estava Hannah sentindo todas as energias ao seu redor. Ela atingiu um estado de sensibilidade tão intenso que chegou a sentir o orgasmo masculino dentro de si durante uma transa. Aquilo estava a assustando. Ela estava sendo alvo de alguns ataques astrais também. Vozes vinham sussurrar em seu ouvido frases hipnóticas. Ela sentia um energia sendo jogada nela de vez em quando, algo ruim, algum ataque estranho. Tudo isso começou a ser demais pra uma mente pouco treinada que tem necessidade de entender, classificar e julgar tudo. Por mais mente aberta que sejamos, a mente não dá conta de um processo desse. E quem não tem a prática da meditação já muito aguçada, se perde fácil.

Por isso Hannah optou por tomar alguns remédio psiquiátricos que fecham toda essa abertura. A diferença entre o xamã e o esquizofrênico é que o xamã controla sua loucura e o esquizofrênico é controlado por ela. Hannah não estava conseguindo controlar sua loucura satisfatoriamente, estava sendo um processo sofrido demais e por isso resolveu tomar alguns remédios para fechar sua abertura por um tempo, enquanto buscava um mestre ou um terapeuta, alguém que possa ajudá-la nesse processo mesmo sabendo que o xamã aprende sozinho.

Só que os remédios a colocam em um estado oposto e muito mais sofrido. É um estado de ansiedade, preguiça, falta de força de vontade… Ela voltou a fumar, beber, comer açucar, não faz mais exercícios, não reza mais… Está o tempo todo com preguiça, meio ansiosa, engordando… Ela sente falta da sua força, da sua energia vital que foi totalmente tirada pelos remédios. Ela não sente mais energia de alguém por simplesmente sentar ao seu lado mas também não sente mais nada. Virou um zumbi. Vida material, trabalho casa, trabalho casa.

E agora? Dentre qual dos extremos ela quer estar? É preciso cair pros dois extremos? Existe um caminho do meio? Como encontrar o caminho do meio? Como trilhar um caminho menos radical?

Deus, nos ajude a responder.

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