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Gabriela

Por onde Gabriela passa, ela destrói tudo. Desde pequena que começou a destruir vidas. Destruiu o casamento de seus pais, destruiu a vida da sua mãe, destruiu a dignidade do seu pai. Destruiu a personalidade da sua irmã. Destruiu a vida dos homens que namorou. Destruiu a vida do amor da sua vida. Destruiu. Destruiu. Destruiu.

Ao seu redor, a felicidade parece se extinguir. As pessoas aos poucos vão caindo em um sofrimento e depressão profunda. É um incômodo constante estar perto dela. Amizades fortes se separam. Ela quebra grupos. Quebra pessoas. Ela se envergonha do seu ambiente familiar, pessoas que tem tudo que precisam pra ser feliz mas que caíram todas em um ininterrupto sofrimento sem fim.

Ninguém é capaz de amá-la. Ela não permite que ninguém se aproxime. Porque ela não aguenta mais ver tanta destruição, tanto sofrimento, tanta separação por onde passa. Ela tem medo do efeito que ela tem em pessoas. O amor tem muitas polaridades, é a energia que move todos os seres humanos. O excesso de amor, a falta de amor, as estratégias para conseguir amor ou fugir dele são o que faz com que sejamos quem somos. E Gabriela amava demais. Ela amava tanto que acabou se destruindo também. Se apaixonou pelo primeiro Aladdin que encontrou e, sem uma garantia, amou-o com todo seu corpo e toda sua força. Até hoje ele a culpa de ter destruído sua vida também. Assim como fez seu pai.

Ela destrói todas as oportunidades que tem de se libertar dessas pessoas a quem julga ter destruído a vida. Porque sente que precisa servi-los de alguma forma. Que precisa compensar por ter destruído suas vidas e se sacrificar para que eles sejam minimamente felizes. Não se permite ter raiva desse papel em que a colocaram sem sua permissão, não se permite ter raiva de ninguém. Ela será pra sempre uma escrava, mendigando o perdão do outro. Mendigando restinhos de amor que ainda possam sentir por ela. Enquanto ela abre mão de toda sua juventude, sua força, seus talentos para seguir de capacho para aqueles que ela destruiu. Ela tenta colar os cacos que restaram das suas relações passadas, fica tão absorvida nessa missão que não consegue mais criar novas relações.

Um dia Gabriela estava diante de um mestre implorando pelo fim de seu sofrimento e do sofrimento daquelas pessoas a quem destruiu a vida. O mestre lhe perguntou como foi que destruiu essas pessoas? Não soube responder… Eles nunca sequer lhe dignaram a uma explicação. Soltaram essa acusação em momentos aleatórios e aquilo foi ficando no fundo do seu subconsciente definindo tudo que ela é hoje em dia. O mestre então perguntou se alguém já tinha destruído a sua vida? Imediatamente Gabriela sentiu que todas essas pessoas que lhe acusavam tinham destruído sua vida de alguma maneira profunda e que eram elas que impediam que ela fosse feliz. Também lembrou de mais umas tantas que tinham destruído sua vida de outras maneiras. Ela se lembrava perfeitamente de alguns rostos com ódio e desejo de vingança. Mordia os lábios até escorrer sangue pensando no quanto os faria sofrer. Mas imediatamente se arrependia daquele tipo de emoção e se sentia totalmente impotente para mudar sua vida.

“Eu estraguei tudo!” dizia ela. Aos 29 anos, viver estava difícil demais. Ela não se aguentava mais, sabotando todos os momentos de felicidade possível. Sabotando cada encontro, cada entrevista, cada flerte, cada amizade nova.

O mestre então lhe disse em uma voz calma, alegre e baixinha:

“Ninguém tem o poder de destruir a vida de ninguém. Estamos encarnados nesta dimensão, neste planeta, neste tempo para evoluir. Para auxiliar o processo de transição de Eras. Gaia está evoluindo e nós estamos de carona. Você pediu por cada uma destas experiências que você hoje considera destrutiva. A sua energia queria passar pelo processo de fragmentação e reconstrução que vem com a experiência da destruição interna e externa. E você pode sim ter auxiliado outras pessoas nestes processos pelos quais eles mesmos pediram. O que trava o processo é ficar parado nesse jogo de acusação e não se permitir reconstruir. Ficam presas àquilo que eram antes da transformação e por isso não conseguem se deixar evoluir. Apegar-se à destruição, aí sim, é destruir-se. É preciso olhar pra ela como o que ela é, um degrau na missão de evolução que você veio viver porque quis. E deixá-la pra trás junto com a culpa de ser este degrau na vida do outro.”

Gabriela se sentiu aliviada com aquelas palavras. Mas voltou pra casa e no dia seguinte se convenceu de que aquele papo nova era não era pra ela. E que devia continuar apegada à destruição porque assim sofreria mais e a sua família a amaria mais se ela estivesse sofrendo do que se ela estivesse feliz. Ela já estava tão viciada na energia da culpa que nem seu corpo aguentaria a liberação daquela energia assim, de um dia pro outro. Quem aquele mestre achava que era? Por isso que ela era anarquista. Não queria ninguém lhe falando verdade nenhuma. Queria sofrer pra sempre.

Joyce

Joyce é uma garota de Ipanema que está se tornando xamã. Ela cresceu no triângulo Ipanema-Copacabana-Leblon. Nunca foi ao Méier, Madureira ou Santa Cruz. Subiu o morro algumas vezes quando era adolescente pra comprar maconha e já fez umas nights nas baladas de patricinha do Vidigal.

Joyce já fez muitas coisas na vida. Já trabalhou em bar, em loja, em produtora, em teatro, em ONG, deu aula pra crianças e hotel 5 estrelas. Já foi patricinha, capitalista, seguidora de Cazuza, namorada, biscate, socialista, anarquista, software livre, mídialivrista, facilitadora de assembleia, leitora de aura, umbandeira, espiritualizada, depressiva, bipolar, esquizofrênica, tecnoxamã, seguidora de xamãs siberianos, popular, solitária, livre e presa. E no final é tudo isso e nada disso ao mesmo tempo.

Joyce já viajou o mundo. Mochilou a Europa com sua melhor amiga aos 18 anos. Foi pra África do Sul aos 24. Sempre que vai a NYC volta com um cartão de crédito estourado e entrega a conta pra sua mãe. Hoje em dia as suas viagens favoritas são retiros espirituais. Seu sonho é ir pra Índia e pra Tokyo ao mesmo tempo.

Esse sonho não é a toa. Ela está totalmente dividida entre a ideia de entregar-se para uma vida focada no espiritual e uma vida na matéria samsara. Não sabe se medita ou vê Netflix. Se toma um frontal pra dormir ou acorda 06:00 pra ir pra Yoga. Se fica em casa lendo “Mulheres que Correm com os Lobos” ou sai com alguém do Tinder. Não sabe se canta e dança ou compra um livro novo na Amazon. Ela ama esses dois lados. Muito. Ama a vida espiritual, as práticas, as ideias, as sensações, a energia, a troca e a sensibilidade e ao mesmo tempo ama a morgação, a zueira que não acaba nunca, a cervejinha gelada com as amigas, sexo, drogas e rock’n’roll.

Ela é muito irada e ao mesmo tempo um saco. Chegou perto, está sendo analisado. Ela gosta de falar sobre terapia, sentimentos, amor, vazio, sombra e sexo. Não é pra todo mundo não. Sua própria irmã acha que ela é louca e nem chega perto dela. Já suas amigas a elegeram a mulher mais interessante que já conheceram.

Ela tem 7 melhores amigas, todas finas e ricas. A primeira delas mora em Houston e dirige um BMW, a segunda na Costa Rica onde está casada com um argentino, a terceira em Londres trabalhando em uma seguradora e namorando um Português, a quarta em São Paulo casada trabalhando em uma agência de Publicidade e a última é economista e mora perto do Canastra (bar) na General Osório. E Joyce… é xamã.

Depois de tudo isso, de ser tantas coisas e ser nada ao mesmo tempo, Joyce está se tornando xamã. Ela não sabe muito bem o que isso significa mas sabe que é isso que está acontecendo com ela. Sabe que nasceu assim e que isso estava sendo preparado o tempo todo. Que cada segundo de sua vida confusa e não-linear lhe trouxe até aqui. Ela não faz ideia o que fazer com isso. Está muito preocupada, tem medo de se machucar. Mas ao mesmo tempo, encontrou uma paz que nunca antes tinha experimentado na vida. Saber que tudo agora faz sentido. Que nada foi em vão. Que todos os muito erros, de uma maneira foram acertos. E de que agora está tudo bem.

(…) (sem assunto) (24/04/15)

(…)
É muita coisa que não quero escrever por aqui e que talvez não seja mesmo seu momento de ouvir. A conversa não é em tom de briga, de agressividade. É uma conversa que vem puramente do amor independente das palavras ou do tom. Amor é muito mais que abraços, beijos e luz. A minha versão do amor vem também da sombra e por isso da profundidade de uma relação como a nossa. É ilusão pensar que podemos estar sempre na luz e que o amor só vem da luz. Hare Hare.

Mas ontem eu senti que é mais que eu e você. É uma questão de egrégora. E que quando você estiver mais segura das suas escolhas, espirituais principalmente, aí poderemos conversar livremente. Porque, de que adianta viver a diferença se não podemos vivê-la com amor? Se não podemos trocá-la, debate-la, estudá-la, pensá-la e criar e crescer em cima dela? Enquanto a diferença for motivo de competição, auto-afirmação e fuga ela ainda está vibrando nos padrões de uma Era que já passou. Diferença não tem que ser defendida, tem que ser aceita.

Mas tudo tem seu tempo. E, ontem depois do bar fui caminhar e refletir e percebi que na verdade estou muito orgulhosa de você. Muito feliz por você. E acho que este momento de me negar, não me dar a palavra, querer tanto dar o contra em tudo que eu falo, colocar a sua percepção e o seu caminho acima de tudo é um grande sinal de que você encontrou alguma coisa tão sua e em que você acredita tanto que vale a pena lutar contra mim, minha energia, minha força por ela. Você encontrou a sua própria força e, isso foi tudo que eu sempre quis pra você. Você está com uma aura poderosa, uma espiritualidade viva, uma mochila das costas indo “viver”. Eu não poderia estar mais feliz. E se é um momento tão seu que eu não posso participar dele, melhor ainda.

Eu te amo. Mas te amo o suficiente para encarar seus defeitos com força, aceitar suas escolhas, me adaptar ao seu estilo e aceitar a sua fuga de mim. Eu te amo o suficiente para me colocar de lado agora e ser o que você precisa que eu seja. Eu te amo o suficiente para trabalhar internamente as minhas necessidades para poder atender às suas. Eu te amo tanto que estou sempre disponível para essa relação que reconheço com um dos meus elos de amor mais fortes e, por isso, um dos alimentos principais do meu espírito que precisa estar nutrido para fazer todo o resto do caminho que faço só. Eu te amo em primeiro lugar. Te amo antes do meu sentir. Te amo há 15 anos quando nenhum mestre nunca tinha me dito o que era amor e como eu deveria te amar. Te amo por tudo que já passamos juntas em outros tempos, em outras vidas. Te amo na sombra.
(…)

Bromanhur e Barthol

Bromanhur e Barthol são demônios do mais alto escalão. Eles fazem parte do seleto grupo de sete criaturas das trevas que sentam à mesa junto ao que não deve ser reconhecido jamais. São eles que planejam a destruição da raça humana, do planeta terra e de toda criação de Deus. Comandam enormes egrégoras negras de almas vingativas, odiosas, abandonadas, gulosas, orgulhosas, invejosas, luxuriosas, avarentas e preguiçosas para que executem o grande plano de extermínio da felicidade.

Sua principal estratégia de guerra é a repressão. Eles manipulam pouco a pouco todos os grandes influenciadores da humanidade para que estes pareçam cada vez mais perfeitos, mais controlados, mais harmônicos até. Transmitem a todos os homens exemplares uma enorme paz, serenidade e até mesmo felicidade. Para que todos os outros homens vejam neste controle de si, de suas emoções, nesta serenidade falsa, o caminho para a felicidade que todos almejamos. E assim a humanidade vem se reprimindo cada vez mais. Cada geração se reprimindo mais que a outra de alguma forma nova, engenhosa e criativa.

Reprime-se a raiva, a vergonha, a inveja, a tristeza, o medo, o desejo pelo poder, a arrogância, a maldade, as perversões, etc. porque foi disseminada a falsa ideia de que essas energias não podem ser sentidas para que se atinja a felicidade. Nunca se vê nenhum tipo de notícia positiva sobre esse tipo de emoção. Essas emoções, segundo a aquela que não deve ser levada a sério jamais (grande mídia), são as causas de todo tipo de guerra, corrupção, crise financeira, assassinatos… Não se pode sentir isso! Afirma a grande mentirosa e também afirmam muitas religiões.

O problema é que não é raiva, a vergonha, a inveja, a tristeza, o medo, o desejo pelo poder, a arrogância, a maldade, as perversões, etc. que estão à serviço de Bromanhur e Barthol mas a repressão delas. A repressão da sombra interna, a repressão dos nossos aspectos mais demoníacos, a repressão da nossa maldade acontece lá nas profundezas dos nossos mares da psique. Ali se aliam com aquelas memórias que não queremos lembrar. Com as experiências que não conseguimos integrar. Com a lembrança daquelas pessoas que nos fizeram sofrer, humilharam, abandonaram. E ali mesmo, dentro de nós, formam-se nossas próprias egrégoras negras comandadas pelos nossos próprios demônios.

O que é preciso reconhecer é que todas essas energias são divinas! Assim como o trovão, o raio, o tsunami, a tarântula, a anaconda, as lacraias e as baratas, tudo que há foi criado por Deus! Mas as grandes religiões criaram essa história de que existe um velhinho lá em cima bonzinho que vai te julgar se você sentir essas coisas criadas por ele mesmo? Não faz sentido algum!

A humanidade tornou-se um câncer para o planeta. Somos um orgão contaminado, um tumor. Cada um de nós é uma celulinha desse câncer. Estamos todos doentes. Nenhum de nós, a não ser alguns mestres iluminados, é completamente bom, completamente perfeito, livre de energias negativas. Nós todos temos essa doença dentro de nós. Seja ela o ódio ou o ceticismo, a raiva ou a vingança, a mesquinharia e a pequenez, o desejo pelo poder e reconhecimento e um milhão de etc! É preciso botar essa doença toda pra fora. Pra curar o planeta é preciso dançar toda sua inveja, gritar com toda sua raiva, pintar todo seu rancor, lutar boxe com todo seu ódio, nadar com todo seu desejo por poder, fazer crochê com essa sua vítima ridícula. É preciso olhar para a nossa parte horrorosa!

Porque a repressão dela está nos matando. Quando reprimimos tudo isso, não acabamos com isso, estamos transmutando apenas em outras coisas horríveis que atuam de outras formas. Uma inveja torna-se uma manipulação do outro, uma manipulação do outro torna-se uma busca pelo poder, uma busca pelo poder torna-se um desejo de controlar o marido, um desejo de controlar torna-se uma facilidade em abandonar o outro, uma facilidade de abandonar o outro torna-se uma mentira pra si mesmo, uma mentira pra si mesmo torna-se uma mentira pro outro, uma mentira pro outro torna-se uma relação devastada, uma relação devastada torna-se uma tendência para traição do parceiro, uma tendência pra traição do parceiro torna-se um prazer no sofrimento.

De uma maneira ou de outra, ela sai. Pode sair em cima do outro ou pode sair em cima de você mesmo. Se sabotando, se destruindo, se odiando, nunca se perdoando. Mas elas saem. E se não sabemos o que está saindo, de onde está vindo, viramos escravos de nossos impulsos inconscientes, marionetes dessas emoções que tanto queremos evitar.

E assim Bromanhur e Barthol, volta e meia, tiram até férias. Vão pras Cancún e permitem-se amar um pouquinho, só entre eles mesmo, sem que ninguém nunca saiba. Já que estamos fazendo praticamente todo o trabalho por eles por causa do nosso medinho dessas emoções e energias que são parte da experiência humana. Como seres humanos é nosso dever empoderar-se de TODAS as energias nos atravessam e que nos habitam. Colocar pra fora, olhar pra isso, experimentar esses estados transtornados em um espaço seguro, sem machucar mais ninguém com isso. Assumir responsabilidade pela energia que cultivamos e pelo o que causamos no outro. Botar pra fora de maneiras criativas e não passar a bola pro próximo. Porque todos somos um único câncer. Não adianta uma célula se curar deixando outra doente. É preciso que todas as células curem a si mesmas e ajudem as outras a se curar.

Sinta. Sinta muito. Sinta demais até. Sinta seja lá o que tiver que sentir. E enquanto sente, dance. Cante. Pinte. Escreva. Grave. Faça vídeo. Twitte. Faça amor consciente. Seja lá o que fizer, tire isso aí de dentro!

Little Baby Shroomy

Uma noite de desespero, rezei. Há muito tempo que eu não falava com Deus. Na verdade, acho que nunca tinha falado com Deus dessa maneira tão sincera. Sempre me ensinaram muitas receitas para falar com Deus, rituais, cantos, mantras, kirtans, orações, estados vibracionais elevados… Sempre tinha muita técnica para entrar em contato com ele. E quando estamos naquele fundo do poço, nosso ego sendo estraçalhado pela vida, não temos nem forças pra levantar da cama, como vamos tentar acessar a energia divina através dessa complexidade de técnicas?

Então simplesmente conectei as mãos e comecei a falar com Ele como se fosse meu melhor amigo e estivesse ali do meu lado me escutando. Compartilhei as minhas dores, pedi desculpas por não conseguir elevar meu estado vibracional para falar com Ele naquele momento. Eu contava pra ele de todos meus erros, minhas perdas, minha falta de observação de mim mesma. Chegava a ser irônico, eu tinha tatuado no braço “temet nosce” que significa “conhece a ti mesmo” em Latim para ver se me lembrava de me conhecer melhor mas estava agora de cama pela total falta de conexão comigo mesma que me levou ao pior acontecimento de toda minha vida.

Assim que acabei de rezar, me senti melhor. Senti uma energia boa e tranquila pelo meu corpo e fui dormir bem. Essa noite tive um sonho muito diferente. Sonhei com um campo lindo de cogumelos! E as pessoas mais interessantes que já vi. Eram as pessoas que eu queria conhecer, o tipo de pessoa que eu queria ser! Todos alternativos, espiritualizados, meio do trance, meio ancestrais, meio futuristas… Eram pessoas muito especiais! E todos comiam cogumelos! O lugar era uma espécie de clareira linda na floresta, havia cogumelos por todas as partes! Uma hora, uma pessoa pareceu que ia cair, ela estava em pé de frente pro nascer do sol e eu segurei ela e disse: um dia eu já fui assim também, não conseguia ficar em pé. Com amor, ajudei-o a se sentar.

O sonho então mudou completamente e eu estava morando sozinha em uma casinha e alguém me entregava uma garrafinha de ouro, toda douradinha e eu sabia que ali dentro tinham cogumelos. Aquele era o remédio divino!

Assim que acordei comecei a pesquisar sobre microdosagens, cultivos de cogumelos, estudos feitos com psilocibina para cura de depressão e doenças mentais. Li sobre rituais astecas antigos com cogumelos e cacau. Vi documentários, entrei em forums…

E foi assim que comecei a cultivá-los. Eu nem imaginava tudo que eles tinham pra me ensinar, me curar e me mostrar sobre mim mesma. Era o começo do resto da minha vida, uma mudança em tudo que eu acreditava ser verdadeiro sobre mim, um reconhecimento de uma identidade e de uma função divina.

Helena Al-Shakti

Halena é mulher e sempre sentiu que tinha uma grande missão. Não entendia muito bem de onde vinha isso mas caminhava sempre com essa certeza, colocava essa intenção em tudo que fazia. Ela não se contentava com essa vidinha que todo mundo vivia. Essa coisa de viver por viver… Ela sonhava em viver uma grande aventura. Seus psicólogos lhe diziam que ela era megalomaníaca, que queria consertar o mundo porque queria consertar a relação destruída de seus pais. Lhe diziam que quando ela era pequena ela foi demais pra Disney e hoje em dia, inconscientemente, não se conformava que o mundo não fosse um lugar mágico como lhe prometeram quando era criança. Helena vivia criando essa grande aventura na sua cabeça, planejando e lendo os sinais do universo.

Ela teve muita sorte porque sua mãe sempre lhe deu toda liberdade para seguir todos seus impulsos. Tudo que Helena queria, ela fazia ou tinha. Foi bastante mimada e isso a prejudicou no momento de assumir responsabilidade por si mesma com certeza. Mas ao mesmo tempo, ela teve a oportunidade de seguir todas as instruções de seu coração.

Perseguindo essa grande aventura, sua vida tornou-se uma bagunça. Cada hora ela queria fazer uma coisa. Mudou de faculdade 3 vezes, levou 10 anos para se formar, não conseguia ficar mais de 6 meses em um trabalho, trabalhou com as coisas mais diferentes possíveis. Foi capitalista, socialista e, finalmente, anarquista. Organizou-se coletivamente em rede, em coletivos, em assembleias e finalmente optou pela solidão. Foi designer, ativista, secretária, professora infantil, radialista, hostess, terapeuta holística.

As pessoas sempre fizeram muitas previsões sobre a sua vida. Nas diversas terapias, encontros, leituras de aura, fogos sagrados, temazcals que fazia nessa busca, sempre tinha alguém que reforçava essa previsão. “Eu vejo você organizando migrações.” “Eu vi! Todos seus sonhos vão se realizar.” “Eu vejo você fazendo um trabalho tipo ONU.” “Vejo 3 grande viagens.” “I believe you have great destiny.”

Mas ao mesmo tempo, na realidade, as pessoas sempre fizeram muito pouco dela. Lhe deram muito pouco valor. Ela foi facilmente descartada por várias pessoas que amou ou admirou. Todo mundo sempre falava que ela era muito ingênua e criava expectativas demais em cima das coisas. Claro que criava!! Ela não se contentava com essa vidinha mais ou menos que todo mundo aceitava viver com total falta de expectativa que alguma coisa incrível aconteça. Mas se frustrou seguidamente.

Aos poucos foi parando se sonhar. E deitou-se para descansar durante alguns meses. Aceitou um emprego normal, começou a considerar fazer um MBA. Quem sabe conhecer um cara tranquilo, que tenha um emprego e a convide pra jantar. Eles podem ir morar juntos no Leblon. Se casar…

Mas desde que começou a fazer um trabalho pessoal de gratidão e perdão, algumas coisas estão começando a acontecer na sua vida que ela não acha que acontece na vida de todo mundo. E essa ideia de que ela vai salvar o mundo está de volta. Será que todos seus sonhos vão se realizar? Mas que responsabilidade! Ela nunca assumiu responsabilidade por nada na vida antes!

Como que alguém pode achar que vai salvar o mundo? Mudar o mundo? Ela tem medo de estar ficando louca de novo, de estar sendo megalomaníaca, fugindo da realidade.  Mas ela já não vai mais pra terapia. Resolveu assumir total responsabilidade pelo seu processo há mais de um ano atrás. Não faz coaching, não faz bioenergética, não tem um mestre, não tem uma guia, nem uma conselheira. Todas suas amigas se mudaram e nem moram mais na sua cidade. Ela passa o tempo todo aprendendo a confiar na sua intuição, sozinha. Tem errado muito e acertado ainda mais. Na verdade, com cada erro ela aprende alguma coisa e por fim, acerta.

Ela sente que por mais que as pessoas que passaram pela sua vida não a tenham visto, ela estava sendo observada. Guiada. Protegida. Porque tudo se encaixa. Cada movimento seu, de alguma forma, faz sentido. Cada decepção, cada abuso, cada perda de si… Tudo se encaixa em uma harmonia perfeita com a missão.

Mas ela também se sente muito despreparada. Meio vazia. Tem uma parte sua que acredita que ela devia ter lido mais, se informado mais, viajado mais, estudado mais, conversado mais… Mas no fundo ela sabe que não é possível encher um copo que já está cheio. E estar vazia é necessário para que o novo possa entrar, para que instruções possam chegar, para que ela possa criar livremente.

Helena está começando a acreditar nas previsões. E que todos seus sonhos vão se realizar. Ela sente medo, nervosismo e prazer. Uma parte dela ainda está apegada a uma certa sensação de vingança em cima de todas as pessoas que não acreditaram nela. Ela se vê triunfando perante aqueles que olharam pra ela de cima. Ela tinha razão! Esse tempo todo, ela estava certa! Ela foi a escolhida! The chosen one.

Now what?

Categoria: bota pra fora

As histórias que passam por mim.

Katchu e Nora

Katchu é um grande xamã siberiano de 32 anos. Ele começou na vida espiritual há mais de 10 anos atrás, quando ainda era praticamente um menino. Hoje em dia ele mora em uma ecovila nas montanhas de Altai e viaja o mundo todo dando seminários e ajudando pessoas a se conectarem com seu interior. E com a magia que ainda existe no mundo.

Um dia Katchu e sua trupe de xamãs vieram ao Brasil e conheceram Nora. Nora imediatamente se apaixonou pro Katchu, por vários motivos. Pra começar, em algum lugar, ela reconhecia aquela luz nela mesma. Depois, porque é muito difícil não se apaixonar por um homem que trabalha tanto a sua energia. Nora sempre foi muito sensível. Quando ela estava ao seu lado, conseguia sentir sua aura, literalmente sentir uma camada de energia um pouco mais densa ao seu redor. Perdia totalmente a fome. Acordava na mesma hora que ele estando em outro lugar. Ela sentiu uma conexão muito forte.

E ele também sentiu. Só que Katchu, além de xamã, é mestre de Tantra. Já atingiu aquele estado de orgasmo constante interno, quando o seu próprio masculino e feminino se encontram dentro do seu próprio corpo e a vida na terra torna-se o paraíso. Para Katchu, sexo ainda é uma opção mas apenas se for pra ensinar e aprender. Apenas se seus espíritos auxiliares perceberem que há o que expandir naquela relação. Sexo é uma oportunidade divina de crescimento espiritual.

Nora ainda era apenas uma menina. Uma menina de 28 anos, diga-se uma menina espiritual. Ainda morando com a mãe, meio perdida sem trabalho, se formando na faculdade… Reagindo completamente aos estímulos externos, fugindo de si mesma, fugindo da sua sombra. E sem passar pela sua sombra, é muito difícil encontrar com a sua luz.

Mas ela sempre sonhou em viver uma vida diferente! Quando viu aquele xamã mago viajando o mundo de mochila ajudando pessoas com trance dance, percebeu imediatamente que ali estava seu destino. Tudo que ela sempre quis fazer na vida. Grudou no cara, pensava nele o tempo todo, ligava pra ele, pedia pra ele ensinar… Ele é um ser de luz. Então ele ajudou, claro. Ela aprendeu muito com ele.

Mas quando decidimos que vamos trilhar o caminho da luz como escolha de vida, aí a sua sombra começa a aparecer. Muitos desafios são postos na sua estrada. Você precisa se provar. Precisa ter coragem de se enfrentar, precisa assumir riscos, precisa chorar e, ultimamente, acaba tendo que passar um pouco perto da loucura.

E foi aí que Nora deu pra trás. Katchu voltou pra Rússia e Nora entrou de cabeça nessa busca enlouquecida pelo espiritual. Mas ainda buscando muito fora dela mesma. Ela fez cursos de xamanismo, tarot, astrologia, retiro de Leitura de Aura, constelação familiar… Tudo quando era terapia, ela fazia. Consultava o Tarot todos os dias, lia seus trânsitos planetários o tempo todo, não saia de casa sem seu livro de numerologia que lhe dizia exatamente onde estava no seu caminhar.

A verdade é que Nora estava viciada no futuro. Ela pensava o dia inteiro sobre onde estava querendo chegar com isso tudo. O que ia acontecer. Pensava em Katchu o tempo todo. Imaginava eles dois em uma grande viagem ao redor do mundo, indo em festivais de trance e ecovilas, juntando pessoas interessadas em trilhar esse caminho de transição de eras, de luz, de consciência… Sonhava acordada o dia inteiro, fora da sua presença.

E imaginava. Sempre muito sensível, ela conseguia sentir todo tipo de energia. Mas ficava criando o que estava acontecendo com uma certeza enorme. Inventava os processos mágicos que aconteciam ao seu redor, se identificava muito com as histórias que criava na sua cabeça. Ela secretamente achava que tinha encontrado a receita da vida. Ela achava que era melhor que os outros. Andava pela rua com uma espécie de arrogância, um segredo.

No fundo pensava em todas as pessoas que não lhe amaram, que a abandonaram, que a mal trataram, vendo seu triunfo! Aquela missão em que ela estava sozinha era uma missão de vingança. A energia que a movia para aquilo tudo era a raiva. A raiva de todo mundo ser tão burro! Raiva das pessoas não pensarem em ninguém a não ser elas mesmas! Raiva do egoísmo! Da falsidade! Da mentira! Raiva desse caminho que colocaram na sua frente pra ela trilhar. Esse caminho sem graça de estudar, trabalhar, casar, ter filhos e envelhecer. Ela queria MAIS. E tinha raiva que os outros se contentavam com isso. Se contentavam em passar a vida comentando as mesmas novidades dos jornais, vendo o mesmo futebol, comprando as mesmas porcarias achando que aquilo era o novo.

Mas Nora não conseguia ver aquela escuridão dentro dela. Não percebia que estava fazendo tudo aquilo para se realizar perante o outro, para ser melhor que o outro. Achava que estava fazendo tudo aquilo para ajudar o outro.

Mas tudo bem, isso faz parte do caminho da luz também. Muitas coisas ruins acontecem na nossa vida para que cheguemos nesse lugar. Se foi a raiva ou a vingança que te trouxe até aqui, tudo bem. Porque essas energias também são divinas. A repressão delas que não é. Mas a Nora não conseguia ver por esse lado, ela estava muito aficionada pelo conceito que ela tinha na cabeça de luz, de bom, de amor, de espiritualidade.

E aos poucos foi enlouquecendo. Vivia criando uma realidade na sua própria cabeça, inventando a verdade. Sozinha. Não dividia isso com ninguém. Sua mente tomou todo espaço do seu corpo. Aos poucos estava completamente desconectada da matéria. Ela comia e não conseguia pensar no que estava comendo. As pessoas falavam com ela e ela só analisava a energia daquela pessoa mentalmente, sem prestar atenção nas palavras. Não permitia que momentos acontecessem, tudo precisava ser analisado energeticamente. Começou a ter dificuldade em se relacionar, em fazer amigos… E estava MUITO feliz. Vivia aquela história na sua cabeça, esperando o retorno de Katchu.

Até que resolveu fazer um retiro de silêncio e meditação de 10 dias. Ela já sabia que estava mentalmente machucada. Já tinha entrado em contato com momentos de loucura muito violentos e acreditava que precisava meditar pra silenciar sua mente. Andava preocupada com sua energia. Mas passar 10 dias em silêncio, sentada de olhos fechados sem se mover 10 horas por dia era exatamente o que ela não deveria ter feito. Ela entrou numa viagem de que precisava morrer, seu ego precisava morrer, sua mente precisava morrer. E que ela ia matar sua mente. Explodir seu sexto chakra. E começou a transformar a experiência toda em uma batalha extremamente violenta contra si. Usava a força para calar sua mente, tentava espremer sua mente pra fora do seu corpo.

E entrou em surto psicótico. Seu inconsciente e sua mente se juntaram contra ela em um movimento de defesa. Começou a delirar. A sentir energias. A pirar. Chorava, tinha ataques… Começou a imaginar demônios, a entrar em contato com eles. Ficou com medo, não entendia nada que estava acontecendo. Ouvia vozes. Vozes que a cobravam de coisas que ela não sabia serem reais ou não. Entrou em estado de parafuso.

Saiu do retiro no último dia aos prantos convencida de que aquela era a morada de forças obscuras. E que ali era um espaço de muito roubo e ataque energético. Mas o surto continuou durante dias e dias. Ela ia pra praia correr, tentar gastar essa energia. Botar isso tudo pra fora, voltar ao seu estado normal mas as vozes continuavam a atacando. Ela sentia que ia morrer. Que partes suas estavas sendo roubadas. E ela tentava imaginar, mentalizar, explicar tudo que se passava, só gerando mais surto!

Ela estava exausta dessa busca. Não estava chegando a lugar nenhum. Estava a meses fazendo práticas matinais, terapias, yoga, lendo auras, sem beber, sem fumar cigarro (que ela ama) e sem fazer nem sexo pra tentar entrar em contato com a sua energia sexual… Tudo isso estava levando ela a loucura! Ela se sentia tão sozinha. Ninguém conseguia se aproximar, ela não queria abrir mão de toda essa criação na cabeça dela. Aquilo tinha se tornado sua identidade.

Quando Katchu voltou, olhou pra ela e viu seu estado. Ele sentiu amor e pena. Também percebeu que cometeu alguns erros. Talvez tenha compartilhado demais sua energia com aquela menina. Que a força do amor que ela sentia por ele junto com todas as outras forças que a moviam sem que ela tivesse consciência, estava a destruíndo. Então ele a tratou como uma mera discípula. Quase não falou com ela. Para poder conversar com ele, Nora teve que pagar uma consulta de 420 reais. E ele não lhe falou muita coisa, sabia que já tinha falado demais, ele então lhe ofereceu fazer um ritual de 3000 reais.

Naquele momento, Nora o comparou a todos os pastores evangélicos charlatões. Ela pensou em todas as vezes que ouviu histórias de pessoas seduzidas por seitas e mestres, pessoas que entregavam todas suas posses atrás de sua cura. Não acreditou que tinha caído em uma armadilha dessas. Nesse momento que ela mais precisava de ajuda, o cara ia cobrar 3000 reais dela? Como uma serpente, ele esperou o momento certo pra dar seu bote?

Seu coração se quebrou em milhares de pequenos pedaços. Mais uma vez. Ela foi pra casa e se deitou durante 6 meses.

Engordou 20 kg comendo doces o dia inteiro, começou a tomar remédios para esquizofrenia porque precisava parar de ouvir aquelas vozes, voltou a fumar cigarro (YES!), beber cerveja, parou de se exercitar. Via Netflix o dia inteiro e jogava PokerStars. Passou 6 meses assim. Sem se movimentar muito. E foi muito importante porque ela passou esse tempo todo sem pensar muito. Por incrível que pareça, foi deixando que as feridas de seu corpo mental se cicatrizassem assim. Relaxou.

Percebeu que precisava parar de mexer na sua energia durante um tempo. Estava com seu campo muito aberto. Cortou relações com qualquer tipo de horóscopo, tarot, terapia… Percebeu o quanto estava ainda em um processo totalmente externo. Resolveu tirar o poder de qualquer coisa fora de si mesma. Como pode deixar que um livro de numerologia vendido na Saraiva guiasse seus passos e suas emoções? Não queria mais estímulos pra sua mente. Queria protegê-la e tratá-la com respeito e carinho. A mente era uma parte sua, uma parte da criação de Deus que é o homem que precisa apenas ser observada.

Quantas vezes Katchu falava pra ela: “isso não é você”. “Você não é esse estado.” “Só observe.” E ela ignorava aquilo, era tão fora da sua realidade, estava tão viciada em pensar que sequer ouvia com atenção quando ele falava esse tipo de coisa… Ela se identificava com todos os pensamentos e emoções. E por ter muita energia corporal, eram pensamentos e emoções muito intensos.

E assim, aos poucos, começou a se observar. Tomou coragem para mergulhar em sua sombra.

Joana e Luna

No dia 25 de Maio de 1992, Joana perdeu seu filho. Ele tinha 35 anos e era a luz de sua vida. Tinha olhos claros e cabelo louro, ela o via como um anjo na terra. Sua vida mudou para sempre. Ela jamais se recuperaria dessa perda. Passou meses chorando. A única coisa que ela tinha que lhe dava alguma força para viver era uma netinha, Luna. Toda vez que Luna a via chorar, se aproximava dela para lhe fazer um afago, secar suas lágrimas e dizia: “Não chore vovó.”

Aos poucos Joana foi se entregando para essa netinha. Talvez como uma forma de manter-se viva. Foi focando toda sua atenção nessa menina, projetando todo seu amor perdido em cima dela. Passou a se preocupar exclusivamente dela. Pensava o dia inteiro, toda hora, a cada segundo que passava na neta. Para não olhar pro seu vazio, o preenchia de mais e mais Luna.

Alguns anos se passaram e os pais de Luna se separaram. Seu pai foi embora para nunca mais voltar e a mãe estava trabalhando, não tinha tempo de ficar com ela. A avó prontamente ficou a cargo da amada netinha. Ela buscava Luna no colégio, levava pra natação, fazia suas unhas, cortava seu cabelo, lhe dava banho, comprava revistas… Tudo para Luna. O tempo todo.

Essa avó também buscava problemas pra ocupar a cabeça. E passou a focar toda sua energia no pai de Luna. Ela passava o dia xingando ele, transformando ele em um verdadeiro monstro aos olhos de sua filha. Não parava de falar um segundo do mal caráter que ele era. Luna não entendia perfeitamente porque ele tinha ido embora e foi obrigada a parar de amá-lo para não desagradar a avó. Na verdade, sem pai e nem mãe, Luna só tinha aquela referência de amor.

Às vezes ela queria cobrir as orelhas com as mãos e gritar para que a avó parasse de xingar seu pai mas só ficava calada. Aos poucos foi criando alguns mecanismos próprios de defesa, começou a focar sua atenção em outra coisa quando a avó começava a falar. Toda vez que ela abria a boca, sua atenção imediatamente se fechava. A avó podia falar durante horas que Luna já não ouvia mais.

Ela foi crescendo e o foco da sua avó seguia firme e forte em cima dela. Agora menos no seu pai, ela passou a reparar no seu cabelo, unhas, roupas, corpo, estudos, amigos… Queria saber onde estava a neta o tempo todo. Ligava pra sua casa 5 vezes ao dia perguntando sobre ela. Luna já estava se tornando uma adolescente mais rebelde e rejeitava todos os conselhos conservadores e preconceituosos da avó silenciosamente em sua mente.

Ela cresceu ainda mais, a avó sem largar a mão do vício na neta. Luna já a odiava. Odiava aquele papel que ela não teve escolha de assumir. Odiava ouvir a voz da sua avó. Odiava que aquela era a pessoa que mais lhe amava no mundo. Odiava esse amor.

A vida acabou decepcionando Luna de diversas formas e ela começou a fechar sua atenção para todas as pessoas, como fazia com a avó. Quando as pessoas falam com ela, ela responde sem quase perceber sua presença. Todos se tornaram espíritos ao seu redor. Vagando pela vida de Luna. Ela já não consegue mais ouvir o outro. Só escuta a si mesma, passa o dia inteiro falando consigo mesma na sua cabeça.

Mas agora Luna já está com 27 anos e sua avó ainda a obsedia. Ela agora mora com a avó por questões com a mãe e a avó tomou para si todo o papel de sua criação. Ela não consegue se libertar dessa avó. Ela não consegue nem se sustentar sem essa avó. Ela vive para alimentar essa avó de energia. Seja discutindo, seja brigando, seja conversando e fingindo que se amam. Luna não tem certeza se ama a avó ou odeia mas ela acaba fingindo que ama porque precisa dela pra tudo. Ela se permite obsediar por interesses de sobrevivência. Ela sente uma culpa terrível nessa co-dependência.

Luna não acredita que pode se libertar dessa relação. Ela não se sente no direito de abandonar sua avó que tanto a ama. E não há maneiras de diminuir essa obsessão, ela já tentou conversar várias vezes. É mais forte que Joana. É mais forte que Luna.

Só que Luna está cansada de ficar só. De viver apenas para sua avó. Está cansada de não ouvir o outro. Está cansada de não valorizar as palavras alheias. Está cansada de só conversar consigo mesma. Luna está muito cansada e só quer ser deixada em paz.

Morgana

Morgana está vivendo a experiência humana completamente. Está entregue para esse mundo que tanto ama e admira. Sua missão é mostrar aos homens o valor dessa experiência. Ela acredita que o homem se esqueceu ou nunca soube da sua majestade. Quando ela os olhava de outros planos, ficava imaginando como seria estar entre eles. Ela nem precisaria ser mulher, pensava. Podia ser uma planta, um cavalo, uma cobra naja! Cada animal que ela observava de longe, os botos cor de rosa, as baleias, os jaguares, as zebras, os hipopótamos, aqueles bichos luminosos das profundezas do mar… Todos lhe encantavam. Ela achava aquilo a coisa mais incrível do mundo! Olhava pro homem como o último de todos os animais, o rei do planeta, o mais incrível de todos. Mas percebia que o homem não conseguia ver a si mesmo… Ela se perguntava porque isso acontecia e passou a analisar, estudar e observar durante muitos séculos. Até que chegou um momento que começou a pedir a oportunidade de vir experimentar esse jogo que começa quando nascemos. Pediu durante milhares de anos, enquanto observava e aprendia. Um dia, lhe foi permitida a sua vinda para o planeta terra. Foi um dia glorioso!! Ela sentiu-se muito animada! Passou outros mil anos organizando sua vinda. Planejando cada segundo. Ela quer mostrar aos homens a força que eles tem! Como eles são incríveis! Como eles são perfeitos e divinos.

Mal chegou aqui e começou a se esquecer da sua natureza e da sua missão. Entrou pro jogo que tanto queria jogar. Passou anos vivendo a vida por viver e vivia com muita intensidade. Muito prazer, muita loucura, muitas pessoas, muitas experiências e muito sofrimento também. Foi magoada, abusada, machucada, abandonada… Perdeu a fé no em si como humano. Entrou pra esse inconsciente coletivo de que a humanidade não presta, de que estamos destruindo a nós mesmos e de que nossa raça em breve será extinta por nossa própria culpa. Começou a sonhar com uma outra vida, em um outro tempo, em um outro lugar… Aos poucos foi se desconectando do mundo. Perdeu o interesse nos humanos. Ficou de cama durante muito tempo… Vendo televisão e se distraindo, esperando a vida passar.

Um dia ela teve um sonho em que buscava quartos para alugar em um cemitério. Estava realmente vivendo por não ter coragem de se matar. E ela pensou nisso. Passou uma semana pensando nisso. Chegou a seu fundo do poço. Mas o bom de chegar no fundo é que só tem um caminho de volta. Depois daquela semana, ela percebeu que precisava mudar sua vida completamente! Fazer qualquer coisa. Foda-se. Deixar aquela sensação inexplicável de que tinha uma missão importante pra trás e ir se mover.

Arrumou um emprego como caixa de uma Pet Shop em Copacabana.