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O escândalo da grade aberta

Essas últimas duas semanas foram agitadas na Rádio Interferência. No início do semestre, debates sobre a abertura da grade para o remanejamento de horários e entrada de novos programadores extrapolaram todo o bom senso e culminaram no afastamento de alguns antigos programadores da rádio que não escutam o coletivo, não abrem mão de seus sonhos privados e utopias.

A grade da Rádio é aberta o ano todo. Ela fica pendurada no mural da rádio para que qualquer um possa chegar a qualquer momento e escolher um horário livre para fazer um programa sobre qualquer coisa. No início de cada semestre, os programadores antigos se unem em uma reunião de grade para remanejar seus horários de acordo com a nova rotina de estudos e trabalho. A grade segue aberta como sempre mas horários são negociados entre pessoas do coletivo de acordo com suas necessidades.

Este também é o período de entrada dos calouros e, sendo a rádio um espaço de formação política natural acarretado pela incessante troca de informações e visões, consideramos importantíssima a entrada de programadores mais jovens que trazem a renovação e que garantirão a manutenção da rádio no futuro. Sem medo de passar o bastão. Calouros são muito bem-vindos!

Agora, de bem vindos para louvados são outros quinhentos.

O debate começou porque o ano letivo da UFRJ começou uma semana antes da entrada dos calouros por causa de uma confusão burocrática federal qualquer. Ou seja, os calouros só entraram na faculdade uma semana após o retorno dos veteranos. Nesta primeira semana (sem os calouros em campus), fez-se a reunião de grade da rádio e optamos por abrir a grade para remanejamento antes da entrada dos calouros. Afinal, programadores antigos que se dedicam aos seus programas e às dinâmicas de ação do coletivo (reuniões, produção de festas, oficinas, transmissão das manifestações, manutenção da aparelhagem, etc.) tem direito a escolher seu horário antes dos novos. Ou não?

Essa atitude foi considerada por alguns como a instituição de privilégios e hierarquias na rádio. Por causa de uma visão extremamente utópica de que todos devem ser iguais perante a Deus e a rádio, defendeu-se que a grade somente poderia ser aberta quando os calouros estivessem em campus. Rasgou-se então a grade da primeira semana e aguardamos a entrada dos calouros na semana seguinte. Mesmo sem que todo mundo concordasse com essa necessidade de igualdade com jovens de 18 anos, recém saídos do colégio que chegam na faculdade com seus hormônios a flor da pele e só querem saber de zuar em sua maioria, salvo algumas exceções obviamente.

Quantidade ou qualidade?

Na segunda semana então, a Rádio participou do ECOmeço, semana de boas vindas aos calouros de comunicação em que acontecem diversos debates e oficinas. Participamos de mesas sobre comunicação, ativismo e democratização da mídia e chegamos até a passar uma parte do nosso documentário para os recém chegados comunicadores. A rádio foi anunciada e os calouros que optaram por participar dessas atividades, normalmente os mais conscientes e interessados, tomaram conhecimento da existência da rádio. À partir daí, qualquer calouro (pessoa, anjo ou animal) pode se dirigir até o prédio do DCE Mário Prata, chegar na rádio, sentar, trocar uma ideia e ter acesso ilimitado aos múltiplos horários livres da grade.

Mesmo assim, o debate interno seguiu porque algumas pessoas não ficaram satisfeitas com essa divulgação. Insistiu-se que se não divulgássemos a rádio por todos os quatro cantos da UFRJ, passando em salas, colando cartazes e arrastando calouros pelo braço até a rádio, não estaríamos sendo justos e igualitários.

Eu me pergunto desde quando precisamos divulgar a rádio para que as pessoas certas cheguem lá? A Rádio Interferência existe há 30 anos, ela se autogestiona, morre e renasce das cinzas em ciclos naturais. A rádio é um portal que atrai pessoas que vibram em frequências extremamente diferentes. Ano passado, no processo de renovação, pessoas mais diversas foram aparecendo, frequentando reuniões, conhecendo o coletivo pelos motivos mais aleatórios. É um processo natural. Ninguém precisou receber um flyer.

Parece que esquece-se que somos um coletivo anarquista, caótico e que nossa prática é ilegal. Não somos a MTV e nem a BandNews pra ficar fazendo planejamento de marketing e divulgação colorida pelos corredores da UFRJ. Não somos rádio universitária e nem comunitária, somos uma rádio livre, underground e alternativa. Uma deep rádio.

Insiste-se nessa progressiva institucionalização da rádio que começou por motivos de segurança e garantia do apoio do reitor da UFRJ às rádios Interferência e Pulga (IFCS). Depois começaram as negociações com a diretora da escola de comunicação para um apoio durante a Semana de Mídia Livre. Seguimos para reunião com o sub-prefeito e troca de telefones para possíveis emergências. Agora já estamos apresentando documentos e aguardando pacientemente o diálogo oficial com a XXX para a instalação da nossa antena. Até reunião de condomínio com DCE e APG para debater o uso da sede do DCE já está rolando. Sem contar a nota no jornal da ANEL nos desqualificando enquanto produtores de cultura daquele espaço. De onde vem essa ânsia de se institucionalizar? De participar do sistema e se render às suas burocracias ridículas? É necessidade ou vaidade? Necessidade de reconhecimento? Ou de sobrevivência?

Mas voltando ao debate da grade, acho muito óbvio que as hierarquias de conhecimento existem. Não posso mais continuar nessa hipocrisia de fingir que não existem lideranças que são definidas por grau de dedicação e colaboração com o coletivo. E, sinceramente, não vejo problema nisso. Não acho que um calouro deve ser colocado no mesmo nível de um programador que está na rádio há 5 anos e colabora com toda a construção e pensamento do movimento e do espaço. Esse cara merece escolher o horário dele primeiro! Como acontece no reino animal, em âmbito familiar e em diversas dinâmicas naturais do planeta, existe uma cadeia de importância natural entre as pessoas, anjos e animais. Isso não significa que os do início da cadeia de importância nunca subirão e nem que determinadas lideranças não deixarão de influenciar ao longo do tempo. É um processo natural de constante mudança e renovação que existe inevitavelmente.

A hierarquia que deve ser evitada é aquela que dá poder a determinadas entidades por causa de sobrenome, conta bancária, influência política, bairro onde vive, roupa que usa, grupo que frequenta e por aí vai. Mas negar esse tipo de hierarquia não tem que ser negar TODO tipo de hierarquia. A hierarquia do conhecimento existe e pode ser muito produtiva e sempre circular. Negá-la é dar abertura para lideranças irresponsáveis que influenciam sem jamais admitir que o fazem. Fingem que não sabem de sua relevância para o grupo e caso algo dê errado, não assumem suas ideias. É extremamente prejudicial à organização coletiva. Time consuming.

Que venham os calouros certos. Os que são movidos pela curiosidade e desejo de participar e resignificar a comunicação. A grade está aberta, pendurada na parede. Eles serão todos acolhidos e, aos poucos, irão se familiarizar com nossas práticas e influenciá-las também. Espera-se deles o reconhecimento do trabalho dos mais experientes, vontade de aprender e a criativa inovação da juventude. Sem crise.

Murro em ponta de faca

O mais chocante dessa história é que mesmo quando confrontado com todos os argumentos de diversas pessoas, o tal programador seguiu intransigente nas suas ideias de igualdade generalizada. Passou a desqualificar o coletivo, a entrar em conflito com determinadas pessoas criando histórias de perseguição e paranoia com o grupo de mulheres da rádio.

Programador este de comportamento machista, que chegou a acusar as mulheres da rádio de não quererem novas calouras por medo de competição e ciúmes. Como se nós não pudéssemos ter ideologias divergentes além de mero piti feminino.

Depois de incansáveis horas de debate, o programador (ariano obviamente) resolveu-se superior a coletividade e decidiu largar a rádio muito publicamente. Chegando a um ponto crítico em que pessoas praticamente o pediram para que largasse logo e nos deixasse em paz.

Como é triste a realidade de que algumas pessoas simplesmente não sabem ouvir. Recusam-se a ter a humildade de flexibilizar suas ideias em prol de um objetivo maior, de longo prazo, de luta pela democratização da comunicação e resignificação midiática. Aí não fica a dúvida, é a pura vaidade individualista.

Conclusão irrelevante

No fim das contas, a grade está aberta e os programadores estão colocando seus horários a lápis para possibilitar uma conversa com calouros que queiram horários já tomados. O que já acho uma farsa porque é óbvio que nenhum calouro em sã consciência vai se importar de pegar um horário entre os inúmeros que estão vagos e preferir entrar em conflito com um programador antigo… Mas tudo bem. A intenção vale.

Ninguém do coletivo está a fim de dar seguimento ao plano megalomaníaco de divulgação e explanação então ninguém o fará. Se alguém quiser fazer, fique a vontade mas sem ficar fazendo exigências, por favor. É livre.

Os calouros estão chegando aos poucos. E o tal programador se foi casado com sua ideia.

Jornalismo a serviço de quê?

Por Sylvia Debossan Moretzsohn em 18/02/2014 na edição 786 – Observatório de Imprensa

O que pode pretender um grande jornal quando divulga uma entrevista com um mascarado que se apresenta como black bloc e lança ameaças de atentados, em ônibus e hotéis, às delegações e aos turistas que vierem para a Copa?

O Estado de S.Paulo publicou no domingo (16/2) matéria com os trechos principais de uma entrevista disponibilizada em seu site (TV Estadão) na véspera. Precisamente no momento em que o secretário de Segurança do Rio envia ao Congresso Nacional um projeto de lei que vem se somar a tantos outros voltados a tipificar o crime de terrorismo, associando-o aos distúrbios urbanos provocados pelos protestos que começaram em meados do ano passado e que agora exibem o primeiro cadáver produzido pelos manifestantes.

Pode um jornal entrevistar um sujeito que se apresenta com nome fictício e se esconde atrás de uma máscara para fazer ameaças?

A situação fez lembrar a famosa entrevista que Gugu Liberato promoveu em seu programa dominical, em 2003, com dois supostos integrantes da maior organização criminosa nos presídios paulistas, que vinha então comandando atentados na cidade. Os dois mascarados, diante do auditório e das câmeras, ameaçavam jornalistas. Era uma farsa, só para causar escândalo e dar Ibope, mas a reação foi imediata: no domingo seguinte o programa não pôde ir ao ar.

Acontecerá agora alguma coisa ao Estadão por ter ajudado a divulgar uma mensagem criminosa?

Leviandades jornalísticas

Este foi apenas o episódio mais recente de irresponsabilidade jornalística no contexto da cobertura da morte do cinegrafista da Band, semana passada. Em vez de guardar o prudente distanciamento em relação aos fatos para tentar esclarecer o que se passa, o noticiário, em suas várias plataformas, mergulhou no turbilhão de emoções e ajudou a disseminar boatos, insinuações e acusações sem prova.

O destaque dado à morte de Santiago Andrade é plenamente justificável porque se trata da primeira ocorrência fatal provocada por manifestantes. É o que distingue esta morte das demais, provocadas por acidentes ou pela ação da polícia. Mas a opção por uma cobertura intensiva, à beira da histeria, só poderia contribuir para aumentar a excitação, a ansiedade e a confusão em torno do que ocorreu e do que pode estar por trás do ato praticado pelos dois jovens presos.

Ou seja: só poderia resultar no contrário do que se exige do jornalismo. Especialmente agora, quando a internet facilita a disseminação de boatos e aumenta exponencialmente a incerteza sobre aquilo em que podemos confiar.

A cobertura favoreceu amplamente a atuação do advogado dos dois rapazes presos, que pôde dizer o que lhe dava na telha e tinha automaticamente suas declarações reproduzidas: seja a insinuação – apesar do pedido de desculpas, depois que o estrago estava convenientemente feito – de que o deputado Marcelo Freixo, do PSOL, estava envolvido com ações criminosas como aquela, seja a afirmação sobre o pagamento de manifestantes para a promoção de atos violentos, cuja suspeita também recaía automaticamente sobre partidos de esquerda.

Diante das críticas que recebeu – inclusive de Caetano Veloso, em seu espaço no próprio jornal (domingo, 16/2) –, O Globo publicou editorial para reiterar a justeza de seus procedimentos, ignorando que o ambiente criado pela cobertura em tempo real favorece a turbulência: se o jornal abre espaço para qualquer um dizer qualquer coisa, deixa de exercer sua função fundamental de filtrar o que pode e deve ser publicado imediatamente e o que precisa de tempo para ser devidamente apurado. Acaba servindo como porta-voz de certas fontes, que sabem muito bem a força da disseminação da suspeita, apesar do imediato desmentido: uma vez lançada, ela sempre sobrevive.

Isso é tão elementar que nem precisaria ser dito.

E é claro que quando essas fontes dizem exatamente o que o jornal gostaria de dizer, isso é só uma feliz coincidência.

Acusações sem provas

A denúncia sobre pagamento a manifestantes existe desde o início dos protestos, como lembrou Janio de Freitas em artigo na Folha de S.Paulo (16/2), sem que nada, até o momento, tenha sido provado. A diferença é que o pagamento não seria apenas para participar de manifestações – o que, de resto, é prática antiga na nossa política –, mas para provocar atos de vandalismo, como a depredação de patrimônio e a detonação de explosivos.

O que se apresentou como prova até agora foi uma relação de doações para uma ceia de Natal na Cinelândia com moradores de rua. Seria apenas ridículo divulgá-las como se atestassem o vínculo entre políticos de esquerda e as manifestações violentas que finalmente produziram um cadáver. Seria apenas ridículo, mas é mais que isso: é leviano, porque no ambiente radicalizado e volátil em que vivemos tudo o que venha a consolidar nossas crenças é assumido acriticamente, e então as contribuições para uma festinha comunitária se transformam em prova de associação para o crime e se espalha alegremente pelo espaço virtual.

Ao mesmo tempo, quem rejeita liminarmente a grande imprensa por considerá-la “fascista” e “golpista” – além de “burguesa”, bobagem que Alberto Dines já anotou ao dizer que burguesa é a sociedade – passa a ter mais argumentos para condená-la.

Curioso é que as suspeitas tenham recaído imediatamente sobre partidos de esquerda, inclusive sobre o PSTU – que, sabidamente, sempre condenou essas ações –, quando O Globo já noticiara, meses antes, um primeiro resultado das investigações policiais sobre os possíveis responsáveis pela organização de atos de vandalismo, que apontavam para pessoas ligadas ao ex-governador Anthony Garotinho, do PR, que se prepara para mais uma disputa eleitoral.

Além disso, ninguém se lembrou da prisão de membros do black bloc do Rio às vésperas das manifestações do 7 de Setembro do ano passado: de lá para cá, houve algum avanço nas investigações?

O preço da ambiguidade

Entretanto, é preciso reconhecer que o PSOL, e o deputado Marcelo Freixo em particular, deram oportunidade a que essas denúncias os atingissem. Em entrevista ao Observatório na TV (17/9/2013), Freixo reiterou o que vinha dizendo na época sobre a necessidade de “entender” aqueles jovens que optavam pela depredação. Como argumentei neste Observatório (“Os abusos do Estado e o elogio da destruição”), também precisaríamos, nesse caso, “entender” os demais comportamentos que nos surpreendem: por exemplo, agora, o dos “justiceiros” que agrediram, despiram e ataram o rapaz negro ao poste, no simbólico episódio ocorrido há duas semanas no Flamengo.

A rigor, precisaríamos mesmo, porque são um sintoma do tipo de sociedade que temos. No entanto, todos os que defendemos os direitos humanos não temos qualquer dúvida em condenar imediata e enfaticamente essa atitude.

A hesitação em rejeitar explicitamente, desde o início, as ações dos black blocs conduziu a uma ambiguidade que poderia sugerir adesão, e isso cobra seu preço no momento da tragédia.

Ao mesmo tempo, o partido retirou de seu site nacional um artigo teórico publicado em outubro do ano passado que sugeria uma possibilidade de aproximação com aquele grupo de ativistas. A atitude só ajudou a alimentar suspeitas e foi convenientemente explorada pela mídia e por todos quantos, nas redes sociais, se interessaram em recuperar o texto original, ainda disponível na página do PSOL de Pernambuco, estado de origem do autor (ver aqui).

Conflito de interesses

O terceiro aspecto que chama a atenção nessa cobertura é o conflito de interesses que impediria o advogado de atuar na defesa dos dois jovens, considerando que um denunciou o outro, que por isso acabou preso, e o outro agora acusa esse um.

O Globo, em vez de questionar esses fatos, preferiu abrir espaço para mostrar que o advogado se tornara uma súbita celebridade, “esquecendo” que isso só foi possível por causa da mídia. O Extra exibiu trechos do depoimento de um dos presos, um documento “a que teve acesso” sabe-se lá como, sem indagar da legalidade daquela ação, realizada no presídio durante a madrugada, sem assistência jurídica.

A hiperexposição dos dois jovens levava a supor que eles não estavam adequadamente orientados. De fato, quando é que vemos um advogado permitir que seus clientes sejam inquiridos pela imprensa como foram? E o que dizer do comportamento do próprio advogado, que reverberava tudo o que – supostamente – os rapazes lhe diziam? Tudo o que lhe convinha dizer, bem entendido, mesmo que agravasse a situação de quem ele se comprometeu a defender, como ficou óbvio no caso da afirmação sobre o pagamento para a participação nos protestos, que só agrava a pena para quem será julgado por homicídio – no caso, por motivo fútil.

Tudo isso deveria ter chamado a atenção da imprensa e orientado as pautas para uma investigação sobre esse advogado, que anos atrás defendeu um ex-deputado acusado de chefiar uma milícia no Rio. Acaso ele agiu assim naquela época? O que teria a OAB a dizer dessa conduta?

Muita calma nessa hora

O desenrolar das investigações diante da permanente presença das câmeras de TV e celulares acarretou, como costuma ocorrer nesses casos, uma excitação que, transbordando para as mídias sociais, levava a reverberar automaticamente qualquer informação, boato ou suspeita. Hoje, praticamente nenhum evento está a salvo de documentação: alguém sempre fotografa ou filma o que acontece, dos fatos mais banais aos mais impactantes.

A ação que resultou na morte de Santiago foi filmada dos mais variados ângulos e isso permitiu a rápida identificação dos autores, com imagens exaustivamente veiculadas na TV e esquadrinhadas por peritos. Mas a cobertura acrítica da grande imprensa facilitou a disseminação de dúvidas quanto ao noticiário e fez proliferar as hipóteses mais delirantes em relação ao que se passou, especialmente quando surgiram imagens que aparentemente contrariavam a versão oficial sobre o suspeito de ter acionado o rojão. Essa descrença, porém, continuou mesmo depois de desfeito o mal-entendido, o que demonstra até onde vai a cegueira militante.

No entanto, a excitação provocada pela caçada aos criminosos facilitou a criação de um ambiente de histeria punitiva que resultou no indiciamento dos dois jovens em homicídio doloso, o que é um flagrante absurdo a ser desfeito na hora do julgamento.

A rápida identificação dos culpados é apenas o ponto de partida para uma investigação que leva tempo e não pode ocorrer à vista de todos, para que se preservem as garantias ao devido processo legal.

Recentes análises publicadas neste Observatório indicam que vivemos um momento particularmente crítico e perigoso. É nessas horas que o trabalho da imprensa se reveste de uma relevância fundamental, como referência de credibilidade. A não ser que o objetivo seja fomentar a insegurança e o medo, para a formação de uma opinião pública favorável a projetos que limitem o campo da liberdade de manifestação. É aí que veremos a serviço de quem, e do quê, se pratica esse tipo de jornalismo.

***

Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)

A banalidade do mal na Rede Globo

da Wikipedia:

“No ano de 1961, 15 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, inicia-se em Israel o julgamento de Adolf Eichmann por crimes de genocídio contra os judeus, durante a guerra. O julgamento intensamente mediatizado, é envolvido por muita polêmica e controvérsia. Quase todos os jornais do mundo enviam correspondentes para cobrirem as sessões, tornadas públicas pelo governo israelense. Uma das correspondentes presentes ao julgamento, como enviada da revista The New Yorker, é a filósofa alemã, naturalizada norte-americana, Hannah Arendt.

Além de crimes contra o povo judeu, Adolf Eichmann foi acusado de crimes contra a Humanidade e de pertencer a uma organização com fins criminosos. O réu se declarou “inocente no sentido das acusações”. No entanto, foi condenado por todas as quinze acusações que pesavam contra ele e enforcado em 1962, nas proximidades de Tel Aviv.1

Em 1963, com base em seus relatos escritos para The New Yorker, sobre o julgamento, Arendt publica um livro – Eichmann em Jerusalém. Nele, ela descreve não somente o desenrolar das sessões, mas faz uma análise do “indivíduo Eichmann”. Segundo ela, Adolf Eichmann não possuía um histórico ou traços antissemitas e não apresentava características de um caráter distorcido ou doentio. Ele agiu segundo o que acreditava ser o seu dever, cumprindo ordens superiores e movido pelo desejo de ascender em sua carreira profissional, na mais perfeita lógica burocrática. Cumpria ordens sem questioná-las, com o maior zelo e eficiência, sem refletir sobre o Bem ou o Mal que pudessem causar.

Em Eichmann em Jerusalém, Arendt retoma a questão do mal radical kantiano, politizando-o. Analisa o mal quando este atinge grupos sociais ou o próprio Estado. Segundo a filósofa, o mal não é uma categoria ontológica, não é natureza, nem metafísica. É político e histórico: é produzido por homens e se manifesta apenas onde encontra espaço institucional para isso – em razão de uma escolha política. A trivialização da violência corresponde, para Arendt, ao vazio de pensamento, onde a banalidade do mal se instala.”

Em suma, Hannah Arendt justificou alguns atos vistos moralmente como malignos praticados por pessoas normais que simplesmente seguem ordens, burocracias, tem contas pra pagar ao fim do mês e jamais param para refletir sobre o contexto mundial ou sentido no que fazem.

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No contexto da Zona Sul do Rio de Janeiro, vejo práticas semelhantes frequentemente:

Terminei um relacionamento com um criativo publicitário que, para pagar seu aluguel e seus padrões de consumo emergentes como blusas Lacoste e jantares no Astor, aceitava o planejamento de vender e viciar crianças da Costa Rica em Coca-Cola pro resto da vida. Ele estava com 32 anos, aos 15 anos trabalhava vendendo legumes na feira, estudou muito, trabalhou anos praticamente de graça e finalmente conseguia um reconhecimento entre seus amigos da Zona Sul. Era extremamente vaidoso mas não levava jeito para as artes plásticas e sentia-se frustrado com isso. Seu mundinho girava em torno de si mesmo e considerava suas contas e estilo de vida o ponto final do seu trabalho.

Durante meses me encontrei semanalmente com o diretor executivo de logística de uma das maiores empresas do Brasil para tomar uma cervejinha. Ele era responsável por uma monumental obra dessas que remove comunidades inteiras e destrói terras indígenas com aval do governo federal. Toda quarta-feira ele voava para Brasília para reunir-se com o ministro da Justiça e pressionar para que demarcações indígenas fossem ignoradas e que povos fossem removidos. Ele assinava em baixo de devastação ambiental, sofrimento humano e destruição de culturas milenares diariamente. Estava passando por uma separação e tinha 3 filhos pra criar e sustentar. Sua família morava em um apartamento próprio no Leblon em obras, ele aluga em Ipanema, além da casa de Búzios pra onde viajavam sempre. Em suas casas trabalhavam 7 empregados (cozinheiros, babás, arrumadeiras, motoristas, jardineiros, etc), praticamente uma microempresa. Ele odiava o seu trabalho enfadonho, queria se dedicar a arte e escrever peças mas tinha muito medo, passou a vida lutando para chegar onde chegou, teve problemas com drogas na juventude chegando a ser internado e considerava-se um vitorioso, estudioso e gênio por ter se recuperado com tanto sucesso. Quando questionado sobre a ética, respondia que tinha filhos pra criar e pessoas a sustentar. Não via outra opção. No fim das contas pediu demissão e mudou de emprego. Hoje está muito infeliz e pagando todo seu Karma. Continua odiando índios.

Uma grande amiga é fóbica. Tem medo do mundo, trabalha de casa fazendo relatórios de Oil and Gás para um grande banco mexicano. Nos conhecemos há 11 anos e desde pequenas que ela diz que quer ser muito rica, fazer um milhão antes dos 30 anos e depois se dedicar à arte. O afastamento de todo seu talento artístico já começa a gerar neuroses e terríveis ataques fóbicos. Acredita que todo favelado é bandido e confia nos Estados Unidos para manter a ordem mundial. Pequeno gênio, já fez pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas em São Paulo e agora se prepara para mais uma pós na COPPEAD-UFRJ. De casa define políticas de petróleo do México que encontra-se a beira de uma revolução popular por causa da privatização do mesmo (ou algo nessa linha, não tenho certeza dos detalhes da revolta). Não existe empatia alguma com esse povo que, segundo ela, representa uma ameaça ao crescimento mundial almejado pelos economistas e políticos do mundo. Está quase completando seu milhão e ano que vem quer se mudar pra Nova Iorque.

Outra amiga de menor importância é produtora do RJTV na Rede Globo. Uma das pessoas mais adoráveis que já conheci, super ligada na natureza e na sustentabilidade, maconheira máxima, adora dançar e namora há anos. Um vez a encontrei na academia e, revoltada por mais uma dessas mentiras cotidianas, fui questioná-la sobre o que acontecia. Ela me respondeu que não tinha linha editorial mentirosa, que nada disso chegava até ela e que acreditava em mudar por dentro do sistema. Que estava lá há apenas um ano e que ainda não tinha poder algum lá dentro. Depois fiquei sabendo que ela ficou muito chateada com meu questionamento, me considerou grosseira e não nos falamos desde então. Sentiu-se injustiçada! Não coloca onde trabalha no Facebook.

E acontece com outros milhões por aí. O fim do mundo está sendo definido por pessoas que não tem empatia com a humanidade enquanto raça animal que vive em um planeta de recursos finitos. Pessoas vaidosas e individualistas, vítimas de recomendações maternas voltadas para roupas, sapatos e boas maneiras a mesa, que se compreendem superiores por terem simplesmente nascido com dinheiro, que encontram sua plenitude em reconhecimento material e no poder, que precisam da segurança da cegueira e da separação dos que sofrem. São inteligentes, engraçadas, artísticas e generosas mas seguem as regras impostas pela instituição onde trabalham porque a escola, a faculdade e a família lhes prometeu que assim seriam felizes.

São a banalidade do mal bem vestida e culta.

Acompanhando essa história do Rojão em que movimentos sociais encontram-se em uma verdadeira guerra de versões com a Rede Globo fiquei imaginando como será que se sentem os que lá trabalham. Como não mandam seus superiores pro caralho e saem dali dispostos a encontrar um trabalho mais digno e humano. Mas a verdade é que seus anseios de vaidade e segurança falam mais alto e seus costumes de obediência imperam. Não existe reforma onde não existe reflexão. Não defendo a piedade com essas pessoas, acredito que são criminosas. Hoje em dia a verdade está a um clique de nós. Somos filhos da Revolução da Informação e não podemos mais admitir a vida fácil dos que tem medo e dinheiro. Só não vê quem não quer. A banalidade do mal mudou porque na época que Hannah criou esse conceito, não havia acesso à toda essa contra informação e a tantos relatos do mundo em que vivemos. Hoje a banalidade do mal é a pior das maldades porque é banal por opção. Somente a revolução real pode acabar com isso, banalidade do mal compreensível está naqueles que lutam por reformas. O cenário está dado.

Nota Pública Sobre os Acontecimentos na Central do Brasil

Fonte: Assembleia do Largo

O ato contra o aumento das passagens, realizado no dia 06 de fevereiro de 2014, contou com a presença de mais de três mil manifestantes, reunindo uma pluralidade de pessoas e movimentos diversos. O protesto dava sequência aos atos anteriores nos quais manifestantes, trabalhadores e usuários do transporte público reivindicavam melhorias e o barateamento da tarifa dos transportes públicos por meio de um catracaço realizado na estação Central do Brasil. Diferentemente das duas ocasiões anteriores, a polícia dispersou a multidão de forma truculenta, bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo foram amplamente utilizadas contra todos os que se encontravam nas imediações da estação Central do Brasil naquele momento, sendo estes manifestantes, usuários do transporte ou mesmo transeuntes desavisados.

Por conta da atuação policial, a situação rapidamente se tornou caótica, culminando na morte de duas pessoas. Nesse mesmo dia presenciamos o atropelamento e morte de Tasman Accioly e o grave ferimento que vitimou Santiago Ilídio Andrade, cinegrafista da Rede Bandeirantes de Televisão. Diante do ocorrido, nós, abaixo assinados, prestamos solidariedade às vítimas, suas famílias e amigos, e lamentamos profundamente a situação que levou aos dois acidentes. Entendemos que tais perdas representam tragédias pessoais pois cada vida deve ser valorizada de maneira igualitária, mas também coletivas pois dizem respeito à todos nós que estamos nas ruas. Dessa forma, para que estas e outras tragédias não sigam acontecendo, nos sentimos na obrigação de levantar alguns pontos importante para reflexão:

1) Desde o início dos protestos, o direito à reunião, à opinião e à livre manifestação (legítimos e amparados pela Constituição Federal de 1988) têm sido severamente atacados por meio do uso abusivo da força policial que conta com o respaldo de outras instituições públicas e privadas. Apesar de ser responsável direto por dezenas de mortes e centenas de pessoas feridas com gravidade em atos cuja intencionalidade foi clara, o poder público e empresarial quer transferir sua violência àqueles que estão nas ruas, lutando por melhores condições de vida e mais democracia. Está muito claro que a violência que agora aparece é resultado dos arranjos de poder costurados antes. Assim como as estratégias adotadas pelo governo e a grande mídia corporativa para reprimir as manifestações só vão produzir as condições para que a violência se agrave mais no futuro.

As manifestações sempre se pautaram pela contestação PACÍFICA à forma de atuação de governantes e empresários na gestão do país e da cidade do Rio de Janeiro, no sentido de jamás ter o objetivo de causar risco à vida de quem quer que seja. Uma semana antes, dois atos puxados pelos manifestantes contra o aumento abusivo das passagens ocorreram sem maiores transtornos. Qual a diferença entre eles e o de quinta-feira, 06 de fevereiro? Nós respondemos: o massacre perpetrado pela PMERJ na Central do Brasil na última quinta-feira, que estendeu o conflito à toda a região do Centro e aos trabalhadores que por ali passavam no momento. Jamais os manifestantes visaram atingir quem quer que fosse.

O que ocorreu com o jornalista da Rede Bandeirantes de Televisão Santiago Andrade, bem como a morte do vendedor ambulante Tasman Accioly foram fatos inaceitáveis ocasionados por um conflito violento que não desejamos e SOBRETUDO QUE NÃO INICIAMOS. As responsabilidades, devem ser tratadas com seriedade e respeito aos direitos de todos os indiciados ou acusados, sejam eles policiais

ou manifestantes. Repudiamos todo julgamento prévio e o linchamento público que dele resulta.

2) A violência e o assassinato fazem parte do repertório político do Estado na tentativa de controlar a população e impedir manifestações populares. Vale lembrar que, desde junho de 2013, foram pelo menos 25 mortos[1] em decorrência direta da ação da polícia contra as manifestações e os manifestantes. Segundo dados da Abraji[2], apenas em 2013 foram 114 jornalistas feridos nas manifestações, a grande maioria deles atingida por artefatos e golpes de policiais militares. Recordamos ainda que esses números se referem apenas às agressões que foram registradas, podendo este ser ainda maior pois por medo de perseguição política muitas agressões acabam não sendo denunciadas. Todavia, nenhum dos feridos nas manifestações, dentre os quais o fotógrafo Sérgio Silva que perdeu um olho ao tomar um tiro de bala de borracha disparado pela polícia, mereceu qualquer retratação por parte do Estado nem a mesma atenção por parte da mídia corporativa. Os policiais envolvidos nas agressões jamais foram responsabilizados pelos atos de violência, nem investigações foram levadas adiante. Nesse mar de atrocidades, por que dar exclusividade ao caso de Santiago? Essa tragédia não pode servir como pretexto para qualquer repressão maior ao exercício dos direitos políticos. Ou assumimos todos a luta pela democracia ou corremos o risco de ver o Estado de exceção e a violência se tornarem o único horizonte político.

3) A violência que ocorre na, ou mais propriamente contra as manifestações é também semeada pela mídia. Quem se lembra, por exemplo, quando em julho de 2013, por ocasião da visita do papa ao Rio de Janeiro, a Rede Globo de Televisão editou imagens e acusou, de modo leviano e irresponsável, o ativista Bruno Ferreira Telles de ter atirado um “coquetel molotov” contra a polícia? Em seguida, no entanto, foram levantados fatos e convincentes indícios, por iniciativa exclusiva dos demais manifestantes de que: a) o artefato havia sido atirado por um policial infiltrado (P2), fato jamais esclarecido pelo Estado ou pela referida rede de televisão; b) que toda a edição de imagens da Rede Globo era falsa, quando não abertamente mentirosa e, por isso mesmo, criminosa; c) que as acusações faziam parte de uma estratégia da empresa de comunicação em parceria com o governo do Estado para criminalizar e desacreditar o movimento. Mais ainda, quem se lembra da atuação do Promotor Público em entrevista à referida emissora, condenando sem provas e totalmente fora de seu campo de atuação um manifestante por “tentativa de homicídio”? Ainda aguardamos os pedidos de desculpas da emissora da família Marinho e do agente público em questão pela exploração leviana e vil destes episódios. A mesma que vemos agora envolvendo novamente a Rede Globo de Televisão e o delegado responsável pelo caso Santiago. Lembremos, ainda, do caso grotesco do morador de rua Rafael Vieira, o primeiro condenado durante as manifestações, que segue preso por portar uma garrafa de desinfetante e outra de água sanitária.

A cobertura da grande imprensa não se orienta pelo esclarecimento dos fatos, mas pela intervenção política e a intenção de acuar e demonizar os protestos, com o intuito de manter salvaguardados seus interesses e aqueles de seus sócios. Desde pelo menos a ditadura empresarial-militar de 1964 que a Rede Globo de Televisão faz o duplo papel de parte envolvida no conflito e de juíza deste mesmo conflito: declara-se imparcial, mas defende a atual política de transportes – incluindo o aumento rejeitado pelo relatório do tribunal de Contas do município TCM – e atua desde junho de 2013 para criminalizar e desqualificar o movimento.

4) Os acidentes envolvendo jornalistas também são responsabilidade das empresas para as quais estes trabalham. Reiteradamente, assistimos a negligência destas quanto à segurança de seus empregados. Quando as empresas agora expressam pesar, como no caso do jornalista Santiago Andrade, da Rede

Bandeirantes de Televisão, é com cinismo que o fazem, pois nunca se importaram com a vida da população ou com a segurança de seus funcionários. A Rede Bandeirantes de Televisão enviou o jornalista Santiago Andrade sem qualquer Equipamento de Proteção Individual (EPI) – conforme regula a Norma Reguladora n. 06 – para a linha de frente de um conflito marcado desde o início pela violência do Estado. Vide ainda o caso do jornalista Tim Lopes, morto pelas mãos de traficantes armados, mas enviado para eles pela empresa que o contratava, a Rede Globo de Televisão, da família Marinho, segundo afirma a própria viúva de Tim[3].

5) A violência estatal e empresarial também marca a realidade carioca do serviço público de transporte. Recentemente, três trágicos acidentes automobilísticos e ferroviários abalaram a cidade do Rio de Janeiro: um ônibus da viação ‘Paranapuan’ despencou de um viaduto próximo à Ilha do Governador, em abril de 2013, matando 09 pessoas, após um passageiro agredir o motorista que, sozinho tinha que contê-lo, dirigir o ônibus e ainda fazer as vezes de trocador, tudo ao mesmo tempo; no dia 22 de janeiro de 2014 um trem da Supervia descarrilou, ocasionando grande transtorno aos usuários, que não receberam a devida assistência da concessionária e tiveram que caminhar pela via férrea, correndo o risco de serem atingidos por outros trens; finalmente, no dia 28 de janeiro último, um caminhão a serviço da prefeitura atingiu uma passarela na Linha Amarela, que por causa do impacto acabou despencando, e matou cinco pessoas e feriu outras tantas. Tais casos, envolvendo falta de segurança, negligência na manutenção dos transportes e precárias condições de trabalho – a dupla função no caso do motorista de ônibus – não receberam maiores atenções por parte da mídia ou do Estado, nem tiveram averiguadas as responsabilidades em questão. Quando se trata de agentes econômicos poderosos e dos governantes municipais e estaduais, nenhum perito é convidado a falar, e a corda arrebenta sempre, invariavelmente, do lado mais fraco. Então perguntamos: a vida dessas pessoas não vale uma investigação? Essa violência brutal, fruto dos arranjos mafiosos em torno do sistema de transportes não possuem responsáveis? Onde está a CPI dos ônibus? Quem mandou engaveta-la? E com que fim?

7) Por tudo isso, não vamos aceitar o clima de guerra que o Estado e a Rede Globo de Televisão mais uma vez tentam nos impor. Eles, que sempre plantaram o medo e a violência, que não sabem lidar com a contestação que a multidão pratica nas ruas, são os únicos beneficiários desta política do medo e da violência. Neste sentido, talvez seja oportuno recuperar o motivo pelo qual estamos nas ruas, e também as razões pelas quais as manifestações cresceram e se massificaram.

Contra a violência cotidiana dos transportes, a tarifa zero e uma vida sem catracas; contra a violência cotidiana do Estado e sua polícia, a desmilitarização e a paz dos muitos que saem às ruas; contra a violência cotidiana da mídia, a valorização da resistência que é condição para qualquer democracia digna deste nome; contra a violência dos grandes eventos e a cidade-mercado, a luta da população que cria e recria o Rio de Janeiro e que resiste nas redes e nas ruas.

As manifestações são o resultado da falência dos acordos de gabinete envolvendo empresários, imprensa corporativa e governantes. A resistência da população que luta é a única possibilidade de atingirmos uma real democracia, que só pode se dar de fato através da participação popular na gestão pública. Nas ruas, buscamos a todo custo praticar a democracia que defendemos. Não fazemos projetos mentirosos nem vendemos esperança de dias melhores para a população. A democracia que pregamos é a mesma que rege o funcionamento horizontal de catracaços, assembleias, grupos e eventos coletivos. Se há um traço capaz de unir pessoas e grupos tão diferentes é a alegria por compartilhar a construção de uma cidade mais democrática; a coragem de enfrentar o medo e lutar por um Rio de Janeiro mais

colorido e por isso mesmo pacífico; o amor pelo outro que nos leva a correr riscos nessa caminhada. E é exatamente por lutarmos pela vida – nossa e dos outros e outras pelas ruas – que não podemos deixar passar tamanha manipulação e oportunismo em torno da morte do cinegrafista Santiago Andrade e o absoluto silêncio diante de todas as outras perdas, sobre as quais a mídia, por conveniência, silenciou. Chega de Amarildos. Aqui ninguém fica pra trás!

[1] Disponível em: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2014/02/528893.shtml
[2] Disponível em: http://portal.comunique-se.com.br/index.php/comunicacao/73121-policia-e- responsavel-por-75-das-agressoes-a-jornalistas-revela-levantamento-da-abraji
[3] Disponível em: http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-omissao-da-tv-globo-no-caso-tim-lopes

MANIFESTO DE REPÚDIO À TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE TERRORISMO

MAIS DE 140 MOVIMENTOS E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS CONTRA O AI-5 DA ‘DEMOCRACIA’!

NÃO PASSARÃO!

MANIFESTO DE REPÚDIO À TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE TERRORISMO:

Pelo presente manifesto, as organizações e movimentos subscritos vêm repudiar as propostas para a tipificação do crime de Terrorismo que estão sendo debatidas no Congresso Nacional, através da comissão mista, com propostas do Senador Romero Jucá e Deputado Miro Teixeira.

Primeiramente, é necessário destacar que tal tipificação surge num momento crítico em relação ao avanço da tutela penal frente aos direitos e garantias conquistados pelos diversos movimentos democráticos.
Nos últimos anos, houve intensificação da criminalização de grupos e movimentos reivindicatórios, sobretudo pelas instituições e agentes do sistema de justiça e segurança pública.

Inúmeros militantes de movimentos sociais foram e estão sendo, através de suas lutas cotidianas, injustamente enquadrados em tipos penais como desobediência, quadrilha, esbulho, dano, desacato, dentre outros, em total desacordo com o princípio democrático proposto pela Constituição de 1988.

Neste limiar, a aprovação pelo Congresso Nacional de uma proposta que tipifique o crime de Terrorismo irá incrementar ainda mais o já tão aclamado Estado Penal segregacionista, que funciona, na prática, como mecanismo de contenção das lutas sociais democráticas e eliminação seletiva de uma classe da população brasileira.

Nesta linha, o inimigo que se busca combater para determinados setores conservadores brasileiros, que permanecem influindo nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é interno, concentrando-se, sobretudo, nos movimentos populares que reivindicam mudanças profundas na sociedade brasileira.

Dentre as várias propostas, destaca-se o Projeto de Lei de relatoria do Senador Romero Jucá, que em seu art. 2º define o que seria considerado como Terrorismo: “Art. 2º – Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial ou étnico: Pena – Reclusão de 15 a 30 anos”.

Trata-se, inicialmente, de uma definição deveras abstrata, pois os dois verbos provocar e infundir são complementados pelos substantivos terror e pânico. Quem definiria o que seria terror e pânico? Como seria a classificação do terror e pânico generalizado? Ora, esta enorme abstração traz uma margem de liberdade muito grande para quem vai apurar e julgar o crime. Além disso, esse terror ou pânico generalizado, já de difícil conceituação, poderia ser causado, segundo a proposta, por motivos ideológicos e políticos, o que amplia ainda mais o grau de abstração e inconstitucionalidade da proposta.

É sabido que as lutas e manifestações de diversos movimentos sociais são causadas por motivos ideológicos e políticos, o que, certamente, é amplamente resguardado pela nossa Constituição. Assim, fica claro que este dispositivo, caso seja aprovado, será utilizado pelos setores conservadores contra manifestações legítimas dos diversos movimentos sociais, já que tais lutas são realmente capazes de trazer indignação para quem há muito sobrevive de privilégios sociais.

Também a proposta do Deputado Miro Teixeira revela o caráter repressivo contra manifestações sociais, evidenciada em um dos oito incisos que tipifica a conduta criminosa: “Incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado”. Verifica-se, portanto, que as propostas são construídas sobre verdadeiros equívocos políticos e jurídicos, passando ao largo de qualquer fundamento ou motivação de legitimidade.

Agregue-se, ainda, o cenário de repressão e legislação de exceção paulatinamente instituídos pela agenda internacional dos grandes eventos esportivos, solapando a soberania política, econômica, social e cultural do povo brasileiro, e a fórmula dos fundamentos e motivações da tipificação do crime de terrorismo se completa, revelando a sua dimensão de fascismo de estado, incompatível com os anseios de uma sociedade livre, justa e solidária.

Já contamos quase 50 anos desde o Golpe de 64 e exatamente 25 anos desde a promulgação da ‘Constituição Cidadã’. Nesse momento, diante da efervescência política e da bem-vinda retomada dos espaços públicos pela juventude, cumpre ao Congresso Nacional defender a jovem democracia brasileira e rechaçar projetos de lei cujo conteúdo tangencia medidas de exceção abomináveis como o nada saudoso ‘AI-5’.

Desta maneira, repudiamos veementemente estas propostas de tipificação do crime que, sobretudo, tendem muito mais a reprimir e controlar manifestações de grupos organizados, diante de um cenário já absolutamente desfavorável às lutas sociais como estamos vendo em todo o Brasil.

ASSINAM:

Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura – ACAT Brasil
Actionaid Brasil
Anarquistas Contra o Racismo – ACR
Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre – ANEL
Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo – ABEA
Associação Cultural José Martí/RS
Associação de Amizade Brasil-Cuba do Ceará (Casa José Martí)
Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo – AEPPSP
Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB
Associação dos Servidores do IJF – ASSIJF
Associação Juízes Para a Democracia – AJD
Associação Missão Tremembé – AMI
Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP
Associação Nacional dos Anistiados Políticos e Pensionistas
Bento Rubião – Centro de Defesa dos Direitos Humanos
Brigadas Populares
Casa da América Latina
Casa de Cultura e Defesa da Mulher Chiquinha Gonzaga
Cearah Periferia
Central de Movimentos Populares – CMP
Centro Cultural Manoel Lisboa
Centro de Assessoria à Autogestão Popular – CAAP
Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa – Ceará
Centro de Defesa dos Direitos Humanos Nenzinha Machado – Piauí
Centro de Direitos Humanos e Cidadania Ir. Jandira Bettoni – Lages/ Santa Catarina
Centro de Direitos Humanos e Educação Popular – CDDHEP – Acre
Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Campo Limpo – CDHEP
Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu
Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – CENDHEC
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Coletivo de Artistas Socialistas – CAS
Coletivo de Memória, Verdade e Justiça João Batista da Rita de Criciúma
Coletivo Desentorpecendo a Razão – DAR
Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça
Comboio
Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa – ABI
Comissão de Direitos Humanos do Sindicato dos Advogados de São Paulo
Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos do Piauí
Comitê Goiano da Memória, Verdade e Justiça
Comitê Memória, Verdade e Justiça da Paraíba
Comitê Memória, Verdade e Justiça do Ceará
Comitê Memória, Verdade e Justiça do Delta do Parnaíba – Piauí
Comitê Pela Desmilitarização
Comitê pela Verdade, Memória e Justiça do Piauí
Comitê Popular da Copa de Salvador
Comitê Popular da Copa de SP
Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro
Comitê Popular dos Atingidos pela Copa – COPAC BH
Comitê Popular Memória, Verdade, Justiça do RS
Comitê Verdade, Memória e Justiça de Pelotas e Região
Conectas
Confederação Nacional de Associações de Moradores – CONAM
Conselho Federal de Serviço Social – CFESS
Conselho Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de Campinas
Consulta Popular
Coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana
Diretório Central Estudantil da Universidade Federal do Espírito Santo
Escola de Governo
Espaço Kaleidoscópio – Criciúma-SC
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE
Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenharia – FISENGE
Federação Nacional das Associações de Empregados da Caixa Econômica – FENAE
Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas – FNA
Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – FENEA
Fórum Catarinense Pelo Fim da Violência e da Exploração Sexual Infanto-juvenil
Fórum da Amazônia Oriental/ GT Urbano – FAOR
Fórum de Reparação e Memória do Rio de Janeiro
Fórum Direito à Memória e à Verdade do Espírito Santo
Fórum Nordeste de Reforma Urbana – FneRU
Fórum Sul de Reforma Urbana
Fórum Urbano da Amazônia Ocidental – FAOC
Frente de Resistência Urbana
Grupo Lambda LGBT Brasil
Grupo Tortura Nunca Mais – RJ
Grupo Tortura Nunca Mais – SP
Habitat para a Humanidade
Identidade – Grupo de Luta pela Diversidade Sexual
Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM
Instituto de Defensores de Direitos Humanos – DDH
Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais – PÓLIS
Instituto Edson Néris
Instituto Frei Tito
Instituto Paulista da Juventude – IPJ
Instituto Práxis de Direitos Humanos
Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC
Justiça Global
Levante Popular da Juventude
Luta Popular
Mães de Maio
Marcha Mundial das Mulheres
Movimento AnarcoPunk – MAP
Movimento da Juventude Andreense – MJA
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB
Movimento de Moradia do Centro – MMC
Movimento de Segurança Urbana e Carcerária
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST
Movimento em Defesa da Economia Nacional – MODECOM
Movimento Hip-Hop Organizado – MH2O
Movimento Moinho Vivo – Favela do Moinho
Movimento Mulheres em Luta – MML
Movimento Nacional dos Direitos Humanos – MNDH
Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM
Movimento Palestina Para Tod@s
Movimento Passe Livre – MPL
Movimento Periferia Ativa
Núcleo de Direito à Cidade – USP
Núcleo De Diversidade Seremos – ACR
Partido Comunista Revolucionário
Pastoral Carcerária Nacional
Pastoral da Juventude da Arquidiocese de São Paulo
Quilombo Raça e Classe
Reaja Ou Será Morto, Reaja Ou Será Morta (Bahia)
Rede 2 de Outubro
Rede de Comunidades e Movimentos Contra Violência (RJ)
Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicador@s – RENAJOC
Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP
Rede Nacional de Familiares e Amigos de Vítimas do Estado
Rede Observatório das Metrópoles
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
Sarau Perifatividade
Serviço de Paz e Justiça – SERPAJ, América Latina
Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões/SEMPRO – Pernambuco
Serviço Franciscano de Solidariedade – SEFRAS
Serviço Inter-Franciscano de Justiça, Paz e Ecologia – SINFRAJUPE
Sindicato dos Gráficos do Ceará – SINTIGRACE
Sindicato dos Servidores do Município de Fortaleza – SINDIFORT
Streetnet Internacional
Terra de Direitos
Tribunal Popular
39º Núcleo do CPERS – Sindicato
União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os da Classe Trabalhadora – UNEAFRO
União Nacional por Moradia Popular – UNMP
Viração Educomunicação

Não importa quem foi

Talvez o Rojão não tenha vindo do Black Bloc. Acho muito possível que tenha vindo da polícia de alguma forma. Já circulam fotos do suspeito P2 na internet. Não podemos negar que essa situação toda facilitou bastante a implantação de políticas mais duras contra os manifestantes, o que já era uma grande preocupação do governo federal pré copa do mundo. Então não seria nada espantoso que tudo tivesse sido uma grande armação.

Mesmo assim, sigo defendendo que o Black Bloc tem que parar. Porque essa dinâmica de violência nas manifestações vem dando brechas para a implantação de uma ditadura com apoio da opinião pública, a articulação estado-mídia precisa ser levada em consideração para ações futuras. A tática do bloco negro que se repete (variando apenas o grau da radicalidade das ações) já se tornou uma peça em um tabuleiro muito mais complexo do que imaginamos. Por causa da constância da ação já é possível prever, manipular e se organizar apropriadamente para lidar com os anarcopunks revoltados.

Se o estado quer implantar uma medida tão ditatorial quanto essa nova lei que enquadra manifestantes enquanto terroristas por motivos de aparências internacionais, é claro que ele vai se aproveitar do despreparo dos manifestantes juvenis (muitos iniciados na política desde Junho passado) e mexer as peças no seu tabuleiro contando com o peão Globo sempre ao seu lado.

Então não importa se veio mesmo do Black Bloc ou se veio do P2. Essa situação previsível e ineficaz enquanto propulsora de mudança não faz mais sentido. Já virou samba do criolo doido, casa da mãe joana, pra lá de Bagdá. Precisamos rever estratégias.

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Porque sinto vontade de vomitar

Gilberto Dimenstein | Catraca Livre

Pelas redes sociais vejo a foto de um jovem amarrado ontem na avenida Paulista, vítima de um trote. O trote foi feito por alunos de uma faculdade de comunicação (Cásper Líbero), vejam só, de relações públicas e propaganda — gente que escolheu profissionalmente se comunicar produtivamente.

A imagem me fez lembrar o rapaz espancado e acorrentado no Rio, acusado de cometer crimes. O que se seguiu a essa imagem foi uma onda de solidariedade aos “justiceiros” — só isso já mostra até onde vai a doença da violência.

A cena ofereceu momentos de glória para uma apresentadora de TV (Rachel Sheherazade) que, em essência, disse o seguinte: a sociedade está cansada de impunidade e aquele tipo de revide quem sabe funcione. Recebeu centenas de milhares de aplauso.

Não vou comentar o que ela falou. Mas só registrar que esse tipo de postura ganha apoio na sociedade, devido à insegurança generalizada. Entre os apoiadores da apresentadora, Paulo Maluf, que, como sabemos, fez muito menos delinquências do que aquele jovem acorrentado.

Para completar, ainda estamos todos chocados com a morte do cinegrafista no Rio, vítima dos Black Blocs, que se transformaram, vejam só, em força politica — mas são apenas delinquentes.

Enquanto isso, Fábio Porchat é ameaçado de morte porque fez um vídeo (ótimo, aliás) para o Porta dos Fundos denunciando, pelo humor, a violência policial.

Sinceramente, dá vontade de vomitar.

O Black Bloc tem que parar!

Eu sabia!

“Estou apaixonada pelo Black Bloc” disse uma amiga ativista que muito respeito em mais uma dessas mesas de bar. Há meses que tenho tentado digerir essa tática tão defendida por quem está nas ruas. Fico sempre ouvindo, tentando entender o porquê de não conseguir ver solução, sequer CAMINHO de mudança vinda dessa galera. Fiz de tudo, conversei com o máximo de pessoas que eu pude, até pra São Paulo encontrar os amigos reformistas-políticas-públicas-conferências-conselhos eu fui. TODOS me afirmavam que o Black Bloc é legítimo enquanto expressão de revolta do povo, que é resultado de anos de exploração da classe dominante, que representa a autonomia de uma classe C emergente que vem se livrando das amarras da fome, que é resultado da traição do Partido dos Trabalhados que deixou as massas perdidas, que promove o debate sobre a violência policial, que renova as energias dos jovens ativistas, já ouvi de tudo!

Fui me deixando convencer e tentando julgar menos o que eu via com meus próprios olhos nos atos que participava. Olhava ao meu redor na presença do Black Bloc e não conseguia ver a politização ali, só via jovens perdidos querendo chamar atenção. Os anarcopunks de cabelo roxo, calça rasgadas propositalmente, botinas de guerra sujas segurando suas bandeiras e escudos, cantando “poder para o povo” em nome de um povo que ali não se encontrava. Eram os justiceiros, portadores de todo o bem ou, pelo menos, é o que pareciam acreditar. Super heróis alucinados lutando contra o “estado dominante” na escadaria da Câmara dos Vereadores.

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Aos poucos fui deixando de ir pra rua. Eu realmente não me encaixo com aquelas pessoas que me davam medo e me olhavam com desdém. A tal auto proclamada vanguarda. Mas segui apoiando… Todo mundo tá apoiando, né?

Me lembro que um dia postei no Facebook o título desse post: “O Black Bloc tem que parar”. Fui massacrada pelos comentários me xingando de coxinha, de alienada. Fui realmente humilhada na minha própria feed por expressar o que meu coração sentia. Foi um pouco depois disso que comecei a aceitar e esperar pra ver no que vai dar. Me deixei convencer pela maioria.

E taí. Deu no que deu. Semana passada morreu um cinegrafista da Band que tem uma cara tão simpática, tadinho. O cara levou uma bomba caseira na cabeça vinda de um manifestante desses que acha que é a vanguarda da resistência. Parou o mundo, só se fala nisso, inicia-se mais uma guerra contra a Globo que aproveita o caso para proliferar mais medo entre a população que vem cada vez mais apoiando a punição dos “vândalos” e o Estado rapidamente usa disso como desculpa para aprovar uma lei que enquadra manifestantes como terroristas e praticamente impossibilita manifestações. Aos poucos somos nós que vamos dando as brechas para que a ditadura seja implantada oficialmente com apoio da opinião pública.

É tamanha burrice jamais vista. Ninguém mais vai pras ruas, as reuniões e assembleias viraram uma constante análise dos acontecimentos semanais e tentativas frustradas de fazer eventos de formação, manifestações criativas e vídeos virais para tentar explicar pra população o outro lado da história. Fazer a “contra-informação” como se meia dúzia de coletivos fossem esclarecer alguma coisa dita pela Globo no Fantástico! De nada adianta já que já estamos censurados pelo Facebook mesmo e acabamos falando entre nós as mesmas coisas para nós mesmos. (Achando que isso é ativismo e esse é o caminho da revolução.)

Enquanto isso planos de fato revolucionários, de mudança radical baseados em estratégias que divergem dos fundamentados no sistema atual como a não-violência, compra coletiva de terrenos para viver em comunidades, boicotes, arte de rua, terrorismo poético, rodas de conversa pra crianças, queima de todo o dinheiro, ações criativas simultâneas e extremamente organizadas são deixados de lado. São esquecidos porque dá muito trabalho. A galera quer adrenalina na rua, quer se sentir importante e macho (inclusive as mulheres) mas não quer chegar na hora em uma reunião ou entrar em conflito de ideias em uma assembleia buscando verdadeiramente o consenso.

A verdade é que ninguém leva mais nada a sério. Vai todo mundo levando tudo nas coxas, dando os jeitinhos, passando por cima de detalhes, se ocupando demais pra refletir sobre o mundo ou sobre a vida. E depois vai geral tomar uma cerveja.

Eu tô fora cara. Pode me chamar de coxinha, patricinha, covarde. Me recuso a participar dessa ilusão coletiva. Desse entretenimento barato disfarçado de política. Eu não preciso fazer mais novos amigos. Eu quero mudança e não acho que isso seja possível no Brasil hoje. Eu vou promover a mudança dentro de mim, me espiritualizar e encontrar a minha paz interior. Não vale a pena dessa maneira.

E deixo os meus mais sinceros votos de que o Black Bloc pare antes que seja tarde. Ou que alguém me apresente um plano que faça sentido.

(Esse post reflete o inconsciente coletivo fluindo através de mim. É minha opinião hoje que pode mudar amanha.)

Programa da Penny recebe Pedro Cunha

Essa semana o querido amigo ambientalista internacional Pedro Cunha veio ao Programa da Penny e conversamos bastante sobre as Nações Unidas, ativismo, meio ambiente, etc. Fiquei feliz com o resultado mas acho que deveríamos ter falado mais sobre espiritualidade, sincronias e nova era com esse homem incrível que tem uma cicatriz de beija-flor no terceiro olho e já participou de encontros com líderes espirituais internacionais.

Obrigada pela visita Pedro!

https://soundcloud.com/pennyleska/programa-da-penny-recebe-pedro

 

JK Rowling e os amigos de festa

Na formatura de Harvard em 2008, JK Rowling fala sobre coisas que somente o fracasso pode ensinar, pequenas coisas como apreciar o que se é todo dia e deixar de sonhar grande e longe. O fracasso também é um incentivo na direção de seguir o seu verdadeiro destino, já que não se tem mais nada a perder e a única coisa que temos somos nós mesmos. Somente após um grande fracasso vencido é que podemos ter a certeza de que somos verdadeiramente fortes.

Depois ela fala sobre imaginação no sentido humanitário. Conta da época em que trabalhou na Anistia Internacional e entrava em contato com pessoas que arriscavam suas vidas para contar o que se passava em regimes totalitários, recebia relatos de torturas e assassinatos de homens que lutavam pela liberdade. Foi aí que pode conhecer o pior e o melhor da humanidade.

E aí fala um pouco do que eu gostaria de conseguir transmitir pra tantos dos meus amigos bem-sucedidos-zona-sul-ipanema-leblon-playboy-naotonemai, é sobre a questão da empatia com os que sofrem. Esse enorme afastamento que existe entre os que tem tudo e os que tem nada gera uma absoluta falta de empatia entre ambos, o pobre é visto como ameaça e bandido e o rico como corrupto e maligno. Mas eu acho pior vindo do lado dos ricos (os que tem condições financeiras de escolher os rumos de suas vidas), essa constante busca da identificação somente com os poderosos, que esses arrogantes que nasceram de barriga cheia insistem em buscar ao invés de usar de todo seu conhecimento e toda a riqueza (que receberam simplesmente por nascer) para buscar uma identificação com os sem-poder, me constrange em mesas de bar.

E sabe o que é pior? É que já desisti de falar. Simplesmente não gasto mais energia conversando com os bem sucedidos, vencedores do sistema. Eles não querem saber, se incomodam quando fala-se mal do capitalismo, da situação precária nas favelas e dos políticos corruptos. Meio ambiente e fim do mundo? Já vi amiga minha se levantar da mesa pra não ouvir. Se incomodam porque não são bons nesse assunto e, por isso, tem medo. Sentem-se culpados por ignorarem as minorias e compensam sendo demasiadamente preocupados com animais e crianças. Acreditam que mimar criaturas indefesas compensa as 8 horas diárias incentivando a indústria de petróleo mexicana a privatizar suas reservas estatais.

Me envergonho do ser humano que pensa em si mesmo antes de todos, que se acha especial porque nasceu rico, que desdenha do pobre enquanto toma champanhe em Paris e que acha que manifestação é vandalismo (“Eu acho que eles podiam ter propostas mais concretas”).

Desprezíveis são aqueles que só servem pra ser amigos de festa.