Em Dezembro de 2011 fui à COP (Conference of the Parts / UNFCCC – United Nations Conference on Climate Change) em Durban na Africa do Sul. Fazia um ano que eu estava profundamente envolvida com a organização e mobilização de jovens para Rio+20 e fui através de uma organização internacional que forma jovens para incidirem na conferência. Eu não tinha ideia do que me esperava mas minhas expectativas eram positivas, eu estava ansiosa para vivenciar aquilo que eu vinha estudando e discursando há tanto tempo. Eu acreditava nesse processo como estratégia de mudança de paradigma, gestão dos recursos naturais globais e controle das corporações que estão devastando o planeta como se fosse infinito e descartável.
Foi uma das, senão A, maiores decepções de toda minha vida. Quando cheguei na conferência, percebi que estava em um grande teatro, um grande cenário de uma encenação de preocupação com a natureza e a humanidade. Dos governos isso já era esperado, estão absolutamente alinhados com os verdadeiros donos do mundo, as transnacionais. Mas o meu grande choque foram as ONGS. Eu não compreendia em quê aquela grande feira de demonstração de projetos e atuação e troca de cartões de visita estava contribuindo para a causa.
O espaço da conferência se divide em três arenas. Uma das negociações onde somente as delegações oficiais e negociadores podem transitar, outras das ONGS que é essa grande feira de exposição e salas de eventos múltiplos, um grande caderno de programação auxilia com descrições e locais mas além disso murais são preenchidos ao longo dos 15 dias de conferência com novos eventos criados de acordo com necessidades. Não há um segundo sequer de tempo livre, são mesas, debates, apresentações, reuniões, assembleias infinitas. Estas duas arenas tem entrada restrita para aqueles que tem credenciamento (delegados, ONGs e jornalistas). A terceira arena é a dos empresários, esta aberta ao público que transita pela rua ou que tem curiosidade para compreender o que se passa em sua cidade. Quando entramos nesta arena, vemos produtos de baixo gasto de carbono, água limpa… Tudo mercantilização da natureza e da vida disfarçada de amigo da mãe terra. E muita desinformação.
Dentro da conferência, muitos dos maiores ativistas do mundo ocupados com blogs e reuniões. Grandes organizações ocupadas e divididas entre milhares de eventos e networking. Todos muito bem comportados, valorizando sua relação com as Nações Unidas que financia muitos de seus projetos ao longo do ano. Não se pode nem distribuir um flyer ali dentro. O ato de esticar o braço para entregar algum papel informativo ali pode causar a sua expulsão do território internacional. E tudo bem. São 15 dias em que se acompanham as negociações, se debate pelo corredor, produz-se conteúdo jornalístico, abaixo assinados tipo Avaaz e os jovens ainda pensam em algumas ações que podem realizar pela cidade e estratégias de mobilização para a grande marcha tradicional que acontece mais pro final. Alguns representantes e grupos conseguem breves reuniões com negociadores e colocam alguma pressão para um afrouxamento da irresponsabilidade e da cegueira. No último dia faz-se uma ação qualquer lá dentro em revolta com os resultados sempre insatisfatórios considerando as mais baixas das expectativas e aí muitos são expulsos da conferência. No último dia.
Eu nem fui neste último dia. Tive alguns problemas com a minha organização porque, no início da segunda semana, peguei 700 adesivos de uma campanha que estava sendo feita sorrateiramente lá dentro entre os próprios ativistas: “I <3 KP” (Eu amo Protocolo de Kyoto) e colei por toda a conferência, por todos os lados, atrás das câmeras da grande mídia, pedia para negociadores colarem onde eu não alcançava, fechava armários dos países que estavam dificultando ou sequer debatendo o protocolo… Eventualmente a polícia me pegou. Me levou ao secretariado e o chefe da organização veio para proteger sua relação com as Nações Unidas. Fui bastante repreendida. Não fui expulsa mas depois daquilo percebi que ali dentro, independente se é delegado, ONG ou empresário, estão todos articulados com aquele modus operandi que é confortável e seguro. Cada um finge que faz a sua parte e no final não passa de uma formalidade para não dizer que a humanidade está cagando para o ar que respira, a água que bebe e o planeta que habita.
A verdade é que estão todos muito confortáveis com esse universo das conferências e do movimento climático ambiental. Os governos e as corporações com seus modos de manipular e restringir a atuação além de investimentos mínimos em áreas e projetos pouco relevantes e as organizações e ativistas dependentes destes processos para simplesmente ter o que fazer. Como não temos nenhuma proposta melhor para salvar a natureza e sentimos uma ânsia por fazer alguma coisa, acabamos incidindo nestes processos seja para participar das negociações enquanto sociedade civil, seja para contestá-los. E é a mesma coisa: reuniões, encontros, cúpulas, comunicação, marchas, campanhas, design, mobilização e artivismo. Algumas ações de sabotagem aqui e ali.
Dois anos depois retorno para um cenário novo. Lima, Peru. COP20. Casa de Convergência TierrActiva, um espaço que se propõe a ser uma zona de convívio comunitário entre diversas pessoas e organizações, além de trazer um novo elemento para a luta: a transformação interna através de práticas espirituais e a explanação de alternativas e outras possibilidades de realidade. A proposta é muito boa mas a prática é a perfeita reprodução do que se vê no espaço oficial. Organizações que estão acostumadas a um modus operandis de reuniões, articulações, midiativismo, mobilização, marcha… E não tem a menor abertura para qualquer dinâmica de criação. Acredita-se, por algum motivo não comprovado, que esse é o caminho da mudança. Que um dia uma marcha vai mudar alguma coisa, que mais uma reunião vai mudar alguma coisa, que mais um debate ou mais uma crítica ao governo vai salvar o planeta e a humanidade. Um monte de ego sentado em círculo, pessoas que tem seus salários pagos simplesmente porque a crise climática existe debatendo logos e nomes para coordenação de grupos de trabalho.
E fala-se sem parar sobre uma nova narrativa, sobre uma nova estratégia mas na praxis se faz o mesmo de sempre porque é seguro e confortável, porque assim que se aprendeu a fazer, assim que é feito deste 1945 e repudia-se qualquer proposta de fazer diferente. São 10 reuniões por dia, aceleradas para que se possa ter mais tempo livre para estar respondendo e-mails e combinando mais reuniões. Qualquer tentativa de conexão e profundidade é considerada perda de tempo, a mentalidade da produtividade capitalista se reproduz também nos círculos dos que querem contestá-lo o tempo todo. A superficialidade, a formalidade, a produtividade glorificada.
Yoga, meditação, práticas energéticas e rituais servem para decorar. Para trazer um momento de leveza e sacar unas fotos. É um momento de respirar para que as energias possam ser recarregadas e se possa voltar a fazer o mesmo. Tudo considerado muito bonitinho. Mas em nenhum momento visto como o caminho, como a solução. Como a tal nova narrativa.
É deprimente. Essa casa é o ápice do ativismo climático no mundo hoje. Por aqui transitam as maiores organizações, os maiores ativistas tão ocupados com suas reuniões e conversas de corredor, com as articulações de seus projetos que não tem um segundo para imaginar-se em outro cenário.
Eu gostaria de sentar para uma reunião de criação em 48 horas. Pessoas se fecham em uma sala e só saem de lá com uma ideia nova. Algo que nunca tenha sido feito. Gostaria de entrar em uma reunião não verbal. Gostaria de sentar em uma geodésica com artivistas e tomar mescalina antes de olhar para as cartolinas em branco na parede. Gostaria de sair daqui com um grupo ativista com o objetivo de montar uma ecovila/hacklab e estas pessoas vão morar juntas durante um ano informando sua enorme rede de todas as ideias e propostas de um novo movimento que surgem durante este convívio. Mas nada disso faz nenhum sentido para ninguém. O que faz sentido é mais um abaixo assinado. Mais uma reunião com negociadores. Mais uma fala em uma reunião. Mais um cartão de visita.
Estamos perdidos. Acho que precisamos de uma reunião para articular essa ideia.
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