No dia 25 de Maio de 1992, Joana perdeu seu filho. Ele tinha 35 anos e era a luz de sua vida. Tinha olhos claros e cabelo louro, ela o via como um anjo na terra. Sua vida mudou para sempre. Ela jamais se recuperaria dessa perda. Passou meses chorando. A única coisa que ela tinha que lhe dava alguma força para viver era uma netinha, Luna. Toda vez que Luna a via chorar, se aproximava dela para lhe fazer um afago, secar suas lágrimas e dizia: “Não chore vovó.”
Aos poucos Joana foi se entregando para essa netinha. Talvez como uma forma de manter-se viva. Foi focando toda sua atenção nessa menina, projetando todo seu amor perdido em cima dela. Passou a se preocupar exclusivamente dela. Pensava o dia inteiro, toda hora, a cada segundo que passava na neta. Para não olhar pro seu vazio, o preenchia de mais e mais Luna.
Alguns anos se passaram e os pais de Luna se separaram. Seu pai foi embora para nunca mais voltar e a mãe estava trabalhando, não tinha tempo de ficar com ela. A avó prontamente ficou a cargo da amada netinha. Ela buscava Luna no colégio, levava pra natação, fazia suas unhas, cortava seu cabelo, lhe dava banho, comprava revistas… Tudo para Luna. O tempo todo.
Essa avó também buscava problemas pra ocupar a cabeça. E passou a focar toda sua energia no pai de Luna. Ela passava o dia xingando ele, transformando ele em um verdadeiro monstro aos olhos de sua filha. Não parava de falar um segundo do mal caráter que ele era. Luna não entendia perfeitamente porque ele tinha ido embora e foi obrigada a parar de amá-lo para não desagradar a avó. Na verdade, sem pai e nem mãe, Luna só tinha aquela referência de amor.
Às vezes ela queria cobrir as orelhas com as mãos e gritar para que a avó parasse de xingar seu pai mas só ficava calada. Aos poucos foi criando alguns mecanismos próprios de defesa, começou a focar sua atenção em outra coisa quando a avó começava a falar. Toda vez que ela abria a boca, sua atenção imediatamente se fechava. A avó podia falar durante horas que Luna já não ouvia mais.
Ela foi crescendo e o foco da sua avó seguia firme e forte em cima dela. Agora menos no seu pai, ela passou a reparar no seu cabelo, unhas, roupas, corpo, estudos, amigos… Queria saber onde estava a neta o tempo todo. Ligava pra sua casa 5 vezes ao dia perguntando sobre ela. Luna já estava se tornando uma adolescente mais rebelde e rejeitava todos os conselhos conservadores e preconceituosos da avó silenciosamente em sua mente.
Ela cresceu ainda mais, a avó sem largar a mão do vício na neta. Luna já a odiava. Odiava aquele papel que ela não teve escolha de assumir. Odiava ouvir a voz da sua avó. Odiava que aquela era a pessoa que mais lhe amava no mundo. Odiava esse amor.
A vida acabou decepcionando Luna de diversas formas e ela começou a fechar sua atenção para todas as pessoas, como fazia com a avó. Quando as pessoas falam com ela, ela responde sem quase perceber sua presença. Todos se tornaram espíritos ao seu redor. Vagando pela vida de Luna. Ela já não consegue mais ouvir o outro. Só escuta a si mesma, passa o dia inteiro falando consigo mesma na sua cabeça.
Mas agora Luna já está com 27 anos e sua avó ainda a obsedia. Ela agora mora com a avó por questões com a mãe e a avó tomou para si todo o papel de sua criação. Ela não consegue se libertar dessa avó. Ela não consegue nem se sustentar sem essa avó. Ela vive para alimentar essa avó de energia. Seja discutindo, seja brigando, seja conversando e fingindo que se amam. Luna não tem certeza se ama a avó ou odeia mas ela acaba fingindo que ama porque precisa dela pra tudo. Ela se permite obsediar por interesses de sobrevivência. Ela sente uma culpa terrível nessa co-dependência.
Luna não acredita que pode se libertar dessa relação. Ela não se sente no direito de abandonar sua avó que tanto a ama. E não há maneiras de diminuir essa obsessão, ela já tentou conversar várias vezes. É mais forte que Joana. É mais forte que Luna.
Só que Luna está cansada de ficar só. De viver apenas para sua avó. Está cansada de não ouvir o outro. Está cansada de não valorizar as palavras alheias. Está cansada de só conversar consigo mesma. Luna está muito cansada e só quer ser deixada em paz.
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